Matéria publicada em 9 de fevereiro de 2023.
Sandra Gonçalves é gestora do Instituto Ouro Verde (INOV), em Nova Lima/MG, e trabalha na área administrativo-financeira da escola. Há alguns anos, fez transição de uma empresa privada para a escola por uma questão de propósito e mais espaço para mudanças, o que também acarretou numa adaptação salarial. Desde então, utiliza a experiência na área para colaborar na educação financeira de pessoas e empresas numa perspectiva de tornarem a relação com o dinheiro mais saudável. E a Bolsa Ativista da Saúva, ajuda de custo mensal, veio como forma de valorizar e reconhecer esse trabalho, possibilitando a Sandra mais condições para continuar este ativismo na educação financeira e ampliar esta ação.
Sandra conta que “essa bolsa é essencial para conseguir atuar em projetos de educação financeira ampliada pelos conceitos da economia viva, e ter uma renda para fazer isso. Ela proporcionou que eu fizesse esse tipo de trabalho (…) que está relacionado com o meu propósito, minha missão”. Aqui, vamos conhecer algumas das atividades desta gestora, que colabora na melhoria da vida de diversas famílias através de oficinas, workshops e orientação financeira.
Projeto Ressignificando e transformando minha relação com o dinheiro
Este foi um projeto desenvolvido com 20 pessoas durante um ano, com encontros aos sábados. Sandra abriu bolsas para pessoas do INOV que estavam com situação financeira desafiadora e o resultado foi transformador, segundo a ativista. Uma das alunas deste workshop, que teve acompanhamento individual e mudou seu ponto de vista, conseguiu desapegar de um cargo de trabalho onde não se sentia realizada e, além de resolver suas questões financeiras e histórico de dificuldade na lida com o dinheiro, conseguiu transformar e promover uma transição de carreira em direção ao que sonhava. Mais ciente e preparada, criou um empreendimento, onde promove em casa um contraturno, recebendo alunos do INOV e outras crianças, faz festas e atividades com as crianças.
Em vários casos, explica Sandra, fica claro como as emoções e o histórico familiar estão totalmente relacionados ao dinheiro; muitas vezes, a pessoa quer compensar algum sentimento ou agir conforme uma crença familiar de forma inconsciente gerando problemas financeiros. Então, olhando para os fluxos de caixa pessoal e familiar, alunos e alunas do workshop se conscientizam de padrões que estão seguindo e trazem dificuldades orçamentárias.

Projeto Grupo EPPO
A EPPO (Empresa Paranaense de Projetos e Obras) é uma empresa de gestão de resíduos de São Paulo, de propriedade do Rodrigo Ventre, que é ligado à antroposofia e à economia viva. A empresa tem vários programas que priorizam o desenvolvimento pessoal, trabalham com sociocracia e gestão horizontal. O trabalho de Sandra Gonçalves realizado na empresa juntou o pessoal da gestão, do administrativo e da operação (coleta de resíduos, varrição e capina de ruas) com o propósito de promover a educação financeira.
A consultoria realizada com o pessoal da EPPO mostrou que o equilíbrio financeiro é independente do valor do salário: um coletor de resíduos pode ter a vida financeira organizada e equilibrada e o contrário pode acontecer com um profissional da gestão que tem o salário muitas vezes maior. Demonstrou também, que, por trás das dívidas, há medos, frustrações e compensações: pessoas que estavam endividadas iam a restaurantes e academias mais caras porque queriam sentir-se num padrão que, na verdade, não estavam mais. Assim, nota-se uma negação da realidade, onde uma pessoa que não tem condições de assumir determinadas despesas, consome algo que não tem renda para cobrir. Nesses casos, são questões psicológicas que precisam ser trabalhadas: o consumo vem para maquiar uma situação, porém só complica mais a questão financeira. E o trabalho de Sandra vem no sentido de conscientizar, olhar para as possibilidades de novas receitas, para as despesas e buscar o reequilíbrio do orçamento pessoal e familiar.
Projeto Workshop para Mulheres Empreendedoras
Esse trabalho foi realizado com mulheres microempreendedoras de Itabirito, em 8 de março, Dia Internacional das Mulheres. Foi um workshop rápido, uma tarde e noite, onde foi destacada a importância de ter controle financeiro do empreendimento e de separar o fluxo financeiro da pessoa física e pessoa jurídica. As microempreendedoras conheciam muito bem os seus processos produtivos mas tinham bastante dificuldade em gerenciar econômica e financeiramente o negócio. Com os exercícios propostos pela gestora, aquelas mulheres puderam identificar, em seus extratos bancários, as entradas e saídas referentes à operação, a exercitarem o cálculo do custo real do preço de venda correto dos produtos que produziam e vendiam.

Projeto Colégio Rudolf Steiner de Minas Gerais
Já em uma atividade realizada no Colégio Rudolf Steiner, a ativista mirou a educação financeira dos alunos do ensino médio, onde traçou-se um passo a passo sobre a relação dos alunos com o dinheiro. Foi proposto um trabalho de pesquisa familiar onde se buscou entender como os antepassados (avós, com bisavós) lidavam com o dinheiro e com o trabalho, a primeira lembrança do primeiro dos alunos do contato com o dinheiro: são memórias fortes que influenciam bastante a forma como a família cuida da vida financeira e o futuro destes jovens. Os alunos trouxeram histórias familiares e trabalharam estas questões; perceberam como o pai e mãe lidam com dinheiro em função das relações com os avós. E, por fim, trataram do orçamento familiar, conversaram sobre consumo, investimento e sobre o que nutrem no mundo com aquilo que estão consumindo ou investindo.

Quando alguém compra um tênis super barato, por exemplo, a gestora ajuda os alunos a questionar se aquilo é barato mesmo, por quê é barato, o que está por trás desse preço baixo e quem está pagando esse preço. Ela estimula que tragam exemplos, como a compra de uma calça jeans, e vejam o que essa produção impacta no meio ambiente e como essa fábrica trata os funcionários. Isso possibilita uma virada de chave interessante no pensamento dos estudantes porque começam a trazer outros exemplos de consumo e absorvem melhor esta conscientização.
Projeto Instituto Ouro Verde
O mesmo foco na conscientização e educação financeira é realizado com os jovens do 9° ano do INOV, onde Sandra aplica algumas dinâmicas diferentes. Numa delas, os estudantes ficam espalhados pelo espaço da quadra; cada um pega duas pessoas como referência e quem escolheu deve ficar equidistante dessas duas pessoas. Na medida em que o grupo vai se movimentando, todos percebem que seu movimento impacta os demais. E num segundo momento da dinâmica, a partir da condução da Sandra, alguns jovens começam a sair do sistema impactando na permanência dos outros que os têm como referência até que todo o sistema se extingue. Isso mostra que um pequeno movimento de uma pessoa impacta em todo mundo, trazendo reflexões sobre a questão da inter-dependência e do equilíbrio dinâmico da economia.

Neste trabalho com o grupo do nono ano, as questões das crenças familiares também são reconhecidas e se busca entender como estes jovens pensam o trabalho: se é uma forma de ganhar dinheiro, se é como levamos as habilidades para o mundo, quais são suas necessidades atualmente, como e porque ser remunerado pelo trabalho.
Neste curso, os jovens são incentivados a conversarem com a família sobre a importância da gestão financeira e a negociarem com os pais uma forma de gerirem pelo menos uma pequena parte do dinheiro que gastam para que exercitem escolhas e as responsabilidades envolvidas. E também para que aprendam a lidar com orçamento e planejamento financeiro e a acompanharem o realizado. Isso tudo vai contribuir para quando se tornarem adultos estejam mais preparados para uma vida financeira saudável independente da profissão e da remuneração que venham a ter.
Projeto Ujima – Cozinha Viva
O apoio ao planejamento financeiro realizado com a Ujima Cozinha Viva, também se deu pela Sandra estar presente no INOV, já que ambos estão na rede Saúva Jataí. A sua análise possibilitou à gestora da Ujima uma maior clareza do fluxo financeiro e fazer algumas mudanças no modo de trabalho percebendo que pequenos movimentos trazem transformação. Para Sandra, é muito gratificante acompanhar o trabalho corajoso e desafiador da empreendedora da Ujima. A assistir e conhecer outros casos de negócios de impacto socioambiental positivo, dá a certeza de que é possível a gestora da Ujima realizar seus sonhos pessoais e profissionais. “Por isso, participar da rede, dos encontros No Coreto é maravilhoso e me faz acreditar que um futuro melhor é possível”, reflete Sandra.

Planos para 2023
Para 2023, Sandra tem o objetivo de ajudar pequenos empreendedores dentro ou fora da rede e ainda está planejando juntamente com a Saúva sobre como isso pode evoluir. Também pretende continuar apoiando a escola no Orçamento Participativo, que é um outro processo que também trás muita consciência da comunidade escolar sobre essa responsabilidade e o que é a educação dos filhos na vida financeira das famílias: é um consumo, é um serviço, é um investimento, uma doação? A ideia é fazerem um curso, de dez encontros, para trazerem uma mudança de consciência para a comunidade escolar.
Também pretende continuar acompanhando de perto a Ujima Cozinha Viva para que ela atinja a sustentabilidade, porque é possível e o negócio é totalmente viável. E ampliar essa capacitação para a Gislene, gestora da Ujima, para que ela mesma possa avaliar os relatórios, identificar problemas e continuar tomando decisões assertivas.
“Eu, juntamente com outras pessoas do INOV, começamos também um estudo sobre moeda complementar, criamos um grupo e estamos muito motivados, fazendo estudos e olhando materiais. No início de 2023 vamos conversar com a Mônica Calderón (Rede Alegrias) e o Luiz Hadad (Cambiatus e Rede Muda Outras Economias) para que eles tragam suas experiências e definirmos como pode ser essa circularidade dentro do INOV, onde poderemos usar a moeda, pensando na UJIMA também”, complementa Sandra Gonçalves.