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Jornada da Mata reconta a história do Rio através da perspectiva preta, da yoga e da capoeira

Conhecido como Pequena África, o Cais do Valongo é um antigo cais na região portuária e central da cidade do Rio de Janeiro. O local, situado entre as atuais ruas Coelho e Castro e Sacadura Cabral, recebeu título de Patrimônio Histórico da Humanidade (UNESCO/2017) e é um dos principais vestígios materiais da chegada de pessoas escravizadas às Américas. Dali, onde hoje se preserva um sítio arqueológico, nasce a história de uma das maiores violências da humanidade, também da nossa estrutura social, da cultura afrobrasileira e o urbanismo do Rio de Janeiro, além de muitas outras influências, que se apresentam ainda hoje. E é de lá, do Cais do Valongo, que a Arôle Alimentação Consciente iniciou a Jornada da Mata, em abril, um curso de desenvolvimento pessoal coletivo e itinerante para jovens e adultos.

Ouvir e vivenciar a história da região portuária do Rio trouxe uma outra perspectiva aos participantes

O objetivo da Jornada é promover imersões com diferentes possibilidades transformadoras no campo ambiental e social; oferecer um campo seguro de troca e autoconhecimento e ferramentas para que os participantes do projeto tenham autonomia para atuarem em suas comunidades, coletivos, grupos e famílias contemplando os próprios desejos e necessidades. Para isso, o curso buscou recontar a história do Rio e seus territórios a partir de uma perspectiva negra.

Na imersão, o objetivo de combater o racismo estrutural no país

A jornada

A turma de 15 participantes começou a experiência praticando yoga kemética (yoga que envolve uma combinação de movimentos físicos, técnicas de respiração profunda e meditação), com a instrutora Ana Sou, a fim de ampliar o olhar para si, respirar e aliviar tensões: “estávamos falando do território externo mas também do território do corpo, do pertencimento a um lugar e com a ancestralidade do lugar”, complementa Lucas Fixel, músico e gestor na Jornada da Mata. Toda a atividade do dia traz aprendizado com a agroecologia, consumo, corpo, sociologia, urbanização, higienização étnica e uma perspectiva decolonizada de olhar.

A respiração na Yoga como possibilidade de transformar a sensação de sufocamento da população negra

Neste primeiro momento, a aula foi realizada no Casarão João de Alabá no Cais do Valongo, que sofreu processos de urbanização e higienização étnica no passado e, hoje, tem coletivos que promovem ações de ressignificação do espaço pensando o centro do Rio numa outra perspectiva. Lucas conta que “são ações de cultura e de arte que dialogam com a região, com as comunidades da Providência, da  Gamboa, da Saúde, da Central”. Ele ainda destacou a importância de se conhecer essa casa, esse espaço e as pessoas que gerem esse espaço.

Num segundo momento, a Jornada realiza um passeio pela região central do Rio com dois historiadores, Thiago Sereno e Alcino Amaral, que trabalham a história do Rio a partir da perspectiva negra. Durante o passeio, eles “vão contando histórias, tocando sambas relacionados ao espaço e conectando (a turma do curso) com a ancestralidade negra”, explica Lucas. Ele também destacou a importância dos alunos conhecerem a história daquele percurso, ainda que carregada de martírios e sofrimentos.

Nos relatos dos participantes, a sensação de descoberta de um outro Rio de Janeiro

A Jornada da Mata finalizou a primeira das seis ações deste ano com o Mestre Neco Pelourinho, referência da capoeira e um dos primeiros formados em Capoeira Angola na cidade. Esse grupo de capoeira atua na Casa do Nando, um Quilombo Urbano, espaço de cultura preta, de discutir políticas, projetos e ações sociais, e também espaço de oficinas e restaurante. Mais uma vez, o guia evocou a pauta do “corpo e ancestralidade, onde isso é falado, discutido e elaborado”, acrescenta Fixel. Para ele, o relato dos alunos foi de que muito movimento aconteceu dentro deles, muitas coisas se passaram ali e que ainda estavam digerindo esses processos.

“Me lembro de um dos participantes  falando: ‘Nossa! Estamos o dia todo em circulo, o dia todo em roda, sentando para falar em círculo’ e da potência desse lugar, do quão foi forte, porque é a geometria da troca, todos se vêem e todos trocam”.

Lucas Fixel – gestor do Jornada da Mata

Experiências compartilhadas e retorno positivo

Estas experiências do primeiro semestre da Jornada da Mata foram compartilhadas com representantes da Saúva, apoiadora do projeto juntamente com o CSAA Santa Tereza, para avaliação e contribuição com as atividades que seguem pelo segundo semestre. A Jornada da Mata 2023 é um curso de desenvolvimento pessoal coletivo e itinerante para jovens e adultos. Serão seis vivências ao longo do ano fundamentadas em 6 pilares: plantio orgânico, alimentação consciente, espiritualidade e autocuidado, artesanato, movimento e comunicação. O público alvo são jovens e adultos que participam através de seleção de bolsistas (através de edital próprio), inscrição via internet (https://linktr.ee/jornadadamata) com 10 vagas para pagantes de qualquer idade (R$150,00 por imersão) e 5 vagas para usuários da plataforma da Muda (100mudas + 50,00 por imersão). 

Assista ao video-clipe do primeiro pilar do Jornada da Mata 2023, produzido pela aluna Anna Sol:

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