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Envolvimento da Escola Cirandas com as comunidades tradicionais é um diferencial pedagógico desde sua fundação

O professor Marley Verá Tupã é um dos fundadores da Escola Comunitária Cirandas, que, assim como a professora Débora Saraiva, estão ligados à escola até hoje. Ele se envolveu com o projeto pela proposta de ter um diferencial no envolvimento desta com as comunidades tradicionais, como os Quilombolas, Caiçaras e Indígenas. Um dos exemplos disso é que a escola escolheu o Guarani como segunda língua, no lugar dos tradicionais inglês e francês. O início desse trabalho foi desenvolver atividades dentro da escrita Guarani de forma que os alunos também pudessem entender melhor qual é a forma de pensamento dos indígenas. Ao longo do tempo, essas atividades foram sendo transformadas no sentido de criar relações das crianças não só com os indígenas, mas com os Caiçaras e Quilombolas.

Ter o Guarani como segunda língua já mostra o compromisso da escola com as comunidades tradicionais

Através de brincadeiras e contação de histórias, Marley ensina e resgata o conhecimento e as práticas indígenas, que, segundo ele, é um povo brincalhão que já acorda sorrindo e contando piadas e causos que foram sendo transmitidos de geração a geração. Marley também conta para as crianças que nós somos muitas raízes conectadas a um único tronco. “É uma coisa que eu converso muito com eles, nós somos muitas raízes conectadas a um único tronco que nos traz conhecimento. Aqui, eu procuro desenvolver isso com eles, não só na língua indígena, mas nas brincadeiras, histórias, costumes e até mesmo a parte espiritual religiosa que está interligada com indígena, com a Caiçara e Quilombola. A escola é para a gente compreender o conteúdo da vida ligado à onde você está,  onde estão suas origens, onde estão as outras culturas. Porque para que você aprenda a respeitar, tem que aprender a conviver, e é isso o que eu tento desenvolver aqui nas atividades com os alunos”, explica Marley.

Aprender ouvindo

Um dos pontos trabalhados por ele é a leitura de mundo, porque como os indígenas não tem a escrita, é através da oralidade que eles aprendem. Marley conta que “ao ouvir, isso estimula o seu instinto, estimula o seu emocional e você pratica o que está ouvindo. Para se entender a filosofia Waldorf basta ir a uma aldeia e observar como se aprende a matemática brincando, como se constrói, como se faz o plantio”.

Marley conta sobre a história do dia do nascimento de uma criança, que, ao sair do útero da mãe, o primeiro sentido a se desenvolver é o da audição. “Nós saímos para o mundo, mas a nossa visão não está nos olhos e sim nos ouvidos. Até uma certa idade, a criança vai procurar as coisas através da audição, porque ela não enxerga direito. Mas depois quando começamos a enxergar, começamos a ver tantas coisas que vamos perdendo a audição. Por isso nos tornamos adultos sem ouvir, porque damos muita importância ao que vemos”, conta.

Marley Tupã sempre conta muitas histórias para as crianças, e uma delas é sobre o bom humor dos indígenas ao nascer do sol. “O indígena é engraçado ao nascer do dia, de manhã cedo quando todos se reúnem para tomar um café na aldeia, só vimos índios rindo de piadas”, se diverte. E continua contando que “o interessante é que são coisas que já foram contadas tempos atrás e que continuam sendo contadas até hoje. Eu até brinco com eles que no modo indígena nós não temos aquele ditado branco de ‘quem conta um conto aumenta um ponto’, porque contamos sempre as mesmas histórias”.

Educação para o respeito à diversidade

Em suas aulas, Marley sempre tenta passar para os alunos de que estamos ligados a um único tronco e que cada um chama de vários jeitos, eles chamam de Nhanderu o que os brancos chamam de Deus. “Nós, indígenas, nascemos num lugar diferente, somos criados de maneira diferente, mas isso não nos torna diferentes enquanto seres humanos. Isso é para que eles entendam que a grande importância está em ser humano, respeitando a si próprio e aos outros”, explica Tupã.

As brincadeiras e contação de histórias dialogam com a Literatura em suas aulas

Brincadeira é coisa séria

Através das brincadeiras e atividades propostas em aula, os alunos têm total liberdade para falarem o que pensam, mas essa liberdade trás responsabilidade. Uma responsabilidade de entender onde estão, de observar quem está se desenvolvendo com eles e da grande qualidade de estar juntos brincando.

“Na língua indígena não existe a palavra amor, nem a palavra dúvida. Porque primeiro não temos dúvidas do que os mais velhos sempre contaram para nós e porque nós nunca conhecemos a palavra amor através da escrita e sim através dos atos”.

Marley Verá Tupã – professor de Literatura do Brincar da Escola Comunitária Cirandas

Numa das provocações, Marley perguntou aos alunos: O rio bebe água? Nós dependemos do rio beber água para nós termos água para beber? Um deles respondeu que o rio bebe água do mar, ao que ele retrucou que é justamente o mar que bebe água do rio. E continuou dizendo da importância deles entenderem da função de cada um na natureza. “A função da árvore da montanha é dar água para o rio, das florestas, das gotas de orvalho, da montanha… O rio tem que beber água mais que nós, se o rio beber água, nós teremos água para beber”, conclui.

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