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Cordão e Baile do Boitatá são declarados Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Rio de Janeiro

Um dos blocos pioneiros na retomada do Carnaval de rua do Rio de Janeiro, o Cordão do Boitatá (www.instagram.com/cordaodoboitata), completa 25 anos e é reconhecido como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Rio de Janeiro. Além dele, o Baile Multicultural do Boitatá, realizado na Praça XV, também recebeu o mesmo título da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. O Bloco é um dos mais tradicionais e conhecidos da capital fluminense e o Baile é conhecido por reunir artistas renomados dos mais variados estilos em um show dançante com mais de 7 horas de duração.

A diversidade é a marca do Bloco, que reúne foliões fantasiados de várias idades, pontos da cidade, estados e países. Adriana Schneider, integrante da Muda Outras Economias e foliã do Cordão desde o início, conta que eles queriam “que fosse um bloco diverso; queríamos garantir que fosse um bloco pra crianças, pra velhos, pras famílias. E tivemos que nos organizar para dialogar e, muitas vezes, para enfrentar o poder público”.

O decreto que reconhece o Bloco e o Baile com patrimônio do Estado, aprovado pela Assembleia Legislativa (ALERJ), deve assegurar e fomentar as apresentações do Cordão do Boitatá. O texto do decreto proíbe qualquer manifestação de preconceito ou discriminação, seja de natureza social, racial, cultural, política ou administrativa contra o Cordão do Boitatá ou seus integrantes. De acordo com a autora do projeto de lei, deputada Renata Souza, “o Cordão do Boitatá exerceu e exerce na história recente do Carnaval do Rio o papel de manter esta tradição viva, além de transmitir para novas gerações os ritmos e a festa que marca o Rio em todo o mundo.

Foliões brincaram na Praça XV homenageando Tia Maria do Jongo, Dona Ivone Lara, Elza Soares, Marielle Franco e Dominguinhos

Criado em 1997, o Bloco deu início à própria história numa época em que o Carnaval de Rua no Rio de Janeiro estava esvaziado. Os primeiros integrantes do bloco tinham muita afinidade com as expressões da cultura popular, admiravam e respeitavam mestres e fazedores populares, como por exemplo, o Jongo da Serrinha, rodas de samba, turmas de boi do Maranhão, mamulengueiros pernambucanos, etc. Também pesquisavam e garimpavam o repertório dos discos de Marcos Pereira, o cancioneiro de Luiz Gonzaga, entre outros.

“Na primeira saída, em 1997, éramos 15 pessoas saindo pelas ruas vazias do centro da cidade. Eu saí com a minha filha que tinha 5 meses na ocasião e nós brincamos o carnaval com as pessoas que estavam nas ruas, nas praças. Mas não estávamos totalmente sozinhos, blocos tradicionais como o Cordão da Bola Preta, o Cacique de Ramos, nunca deixaram de brincar.”

Adriana Schneider, integrante do bloco Cordão do Boitatá e da Muda Outras Economias

No ano seguinte, 1998, já eram 50 pessoas; no outro, 300; e o bloco do Boitatá foi aumentando em progressão geométrica enquanto eram criados outros blocos e cordões carnavalescos pela cidade. Com o passar dos anos, mais pessoas ingressaram no Boitatá: veio o Teatro de Anônimo, a Cooperativa Abayomi, o Grupo Pedras e mais coletivos parceiros. A cada ano o tamanho do bloco aumentava até que a organização foi obrigada a se preparar para receber a multidão que o bloco arrastava. “Essa multidão nos obrigou a pensar e repensar o formato; e a galera não abria mão do cortejo no chão: até hoje não usamos carro de som e mantivemos esse formato no chão”, conta Adriana.

Bonecos gigantes, pernas de pau, bumba meu boi e estandartes fazem parte da história do bloco

No início dos anos 2000, o Cordão do Boitatá precisou modificar o formato: compraram uma casa na rua do Mercado, com o Grupo Pedras e o Teatro de Anônimo, e criou-se a CASA – Cooperativa de Artistas Autônomos. Nesse momento, o Boitatá era um coletivo de cultura que pesquisava teatro de mamulengo, bonecos, máscaras, boi e música. Schneider conta que “o núcleo de músicos do bloco quis fazer um aprofundamento do braço musical do Boitatá e esse movimento acabou virando o que é o Cordão do Boitatá hoje”.

A turma que integra a Rede Muda Outras Economias estava presente no Boitatá e na Cooperativa de Artistas; se conhecem e trabalham juntos há 30 anos. “A galera da Muda brinca no Boi Cascudo, brinca no Boitatá, faz parte do Ylê Asè Egi Omin, tem o Grupo Pedras, Teatro de Anônimo e o Boitatá, que já tiveram uma casa juntos. Tem uma experiência anterior que faz com que a Muda venha delas todas”, relembra Adriana.

O bloco não abre mão da diversidade, do cortejo no chão e da autonomia

A parceria da Muda com o Boitatá teve início em 2018, quando a organização do bloco ficou incomodada em ficar refém da privatização do Carnaval. Receberam propostas absurdas a troco de quase nada considerando o lucro e exposição obtidos pelos patrocinadores. A Rede Muda chegou pra ajudar no financiamento coletivo e pensar na autonomia do bloco, além de atrair cooperativas de recolhimento de lixo. A solução foi fazer com que as pessoas que brincam o carnaval financiassem os custos da festa. Dessa forma, o Bloco conseguiu inverter a lógica do financiamento externo e passou a se auto-financiar. Hoje, a festa é 100% autônoma.

Segundo Adriana, o título de patrimônio imaterial serve para reconhecer o trabalho, a importância do bloco e o que ele oferece para a cidade. “O Baile Multicultural no domingo (de carnaval) é um mega show, com 8 horas de duração, com músicos incríveis que tocam na orquestra. E diversos artistas participam da celebração. Já passaram pelo palco a Tereza Cristina, a Marisa Monte, integrantes de blocos Afro, a galera do Jongo, o Martinho da Vila! De graça como um presente pra cidade. É uma coisa maravilhosa, um patrimônio da cidade! Esse reconhecimento é muito legal e pode gerar algum tipo de proteção ou que nós possamos batalhar por uma sede, por exemplo”, conclui com orgulho Adriana Schneider.

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