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Uma experiência de entorno escolar vivo e abundante

Na coluna do mês de março, Ramoci Leuchtenberger, da iniciativa Teia da Terra, relata como sua experiência escolar infantil a ensinou, na vida adulta, a não repetir os mesmos métodos pedagógicos frios e, assim, a trilhar um caminho educacional cooperativo e partilhado

A escola foi um problema para mim, desde criança. A questão não eram as notas, sempre fui “boa aluna”. O que faltou foi um ambiente e relações que trouxessem calor e sentido para as horas passadas nos prédios escolares. Já adulta, me dediquei a ser professora, em escolas públicas. Minha carreira foi curta, não pude continuar quando me percebi parte do sistema que tinha por finalidade principal reprimir toda a vida e curiosidade que crianças e adolescentes pudessem manifestar. Quando me tornei mãe, adiei ao máximo o dia em que deixaria, nos portões de uma escola, a criança saudável que eu tinha sob meus cuidados.

A vontade de ver uma criança crescer em um entorno vivo e abundante me levou para outros caminhos e hoje posso descrever um pouco da escola que no dia a dia ajudo a criar.

Esta escola está na natureza, em um ambiente onde todos os elementos estão presentes, em suas múltiplas formas. Existem aqui nascentes de água e água que corre nos riachos. A água da chuva, que rega as plantações e alimenta os rios, e a água que coletamos e usamos para banhar e cozinhar. Existe a terra, o solo rico que produz alimentos, a argila que dá forma às paredes. Existe o fogo, do preparo dos alimentos, das fogueiras das celebrações, dos raios e trovões. Existem muitas plantas, nativas e cultivadas, alimentícias e medicinais. Existem animais, silvestres e domésticos, grandes e pequenos, de pelo, penas e escamas. E seres humanos que convivem nesse entorno. Pessoas de tamanhos, cores e idades diferentes, pessoas com gostos, aptidões e habilidades diversas. Pessoas unidas em um propósito: cuidar da água, terra, plantas, animais e seres humanos deste local.

Este local é a própria escola, é o entorno educacional que favorece e proporciona o aprendizado. Cada estudante faz parte deste sistema, que inclui o ambiente, todos os seres que o compõe, e as relações dinâmicas e complexas que se estabelecem entre todos estes seres e elementos. É neste entorno que cada criança e adolescente de nosso coletivo cresce, aprende e se desenvolve.

Em nossa escola, adultos trabalham e aprendem juntos, e as crianças estão integradas nos processos de trabalho, convivendo com o fluxo volitivo dos adultos. Para estar com as crianças é imprescindível a disposição do adulto, e que este desenvolva de forma responsável e coerente as suas atividades. É necessário também que estas atividades estejam integradas ao funcionamento da escola e façam sentido na manutenção da vida do coletivo.

A figura do professor como transmissor de conhecimentos é substituída pela do adulto que realiza algo que faz sentido, adultos que trabalham com significado em atividades que valem a pena ser imitadas por crianças.

Os trabalhos a imitar são principalmente nas áreas de agricultura e tarefas domésticas. Nestas atividades de manutenção da vida, seja na lida com plantas e animais, no preparo dos alimentos ou na lavação de roupas, as crianças desenvolvem os valores de cuidado com o corpo, fundamentais para a construção da saúde. Também desenvolvem o sentido do coletivo, pois são capazes de perceber, na prática, como a sua própria atuação em uma determinada atividade tem influência na vida de todas as pessoas do grupo.

Em nosso sistema de aprendizagem, a pessoa adulta não apenas explica como se faz algo, ela faz. Tudo aquilo que consideramos necessário que uma criança aprenda, precisamos fazer. Queremos que as crianças aprendam a ler, a escrever e a fazer contas? As crianças então devem conviver com adultos que leem, escrevem e fazem contas. Se estes adultos utilizam estes saberes como ferramentas nas suas atividades do cotidiano, a criança entende a necessidade destes saberes, e deseja aprender.

São muitos os espaços de aprendizagem em nossa escola, tantos quantos são os espaços onde pessoas adultas realizam, por escolha e com comprometimento, atividades com significado. Temos a horta, o galinheiro, o ateliê de artes, o espaço para práticas corporais, o laboratório de ciências, a cozinha, a lavanderia, a marcenaria, a biblioteca, as salas de estudos teóricos. 

Em nossa escola temos um adulto que constrói móveis com dedicação e comprometimento, e segue por horas imerso nessa atividade que lhe traz muita satisfação. Crianças e adolescentes apreciam muito o tempo passado junto a este adulto, na marcenaria. Ali desenvolvem pequenos projetos, brinquedos e utilitários, e todo o processo, desde o projeto até a finalização do objeto, traz atividades com significado, que exigem, na prática, conhecimentos de aritmética, geometria, física e mecânica.  É nesse momento que se desenha o papel deste adulto, ao orientar o desenvolvimento de capacidades e habilidades das crianças e adolescentes a partir do próprio fazer.

Esta troca promove ainda o desenvolvimento de qualidades anímicas dos estudantes, como a vontade para realizar, a dedicação na atividade, a determinação para encontrar soluções e superar falhas e dificuldades, aprendendo com seus erros e acertos.

A criação de nossa escola ainda é muito recente, acabamos de completar um ano de vida. Temos nos dedicado em criar um entorno onde os seres podem desenvolver-se em todo seu potencial, através do conhecimento vivo, da educação prática, de atividades com sentido, do desenvolvimento de habilidades necessárias e atitudes aceitas e desejadas pelo coletivo.

Um entorno onde crianças e adolescentes desenvolvam a sabedoria, baseada na própria vivência, de que é possível produzir abundância e qualidade de vida a partir da vontade, do conhecimento, do trabalho e da união.

P.S: Convido todas as pessoas que quiserem saber mais sobre essa iniciativa a conhecer as redes sociais da Escola da Mata:
www.instagram.com/escola.da.mata
https://escoladamata.org/

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