Contar uma história a partir das nossas experiências sempre tem um gostinho especial, ainda mais quando sentimos que são para pessoas que compartilham dos mesmos sonhos e valores que os nossos.
Por conta de uma infância bem sensível, ao crescer, me envolvi em ações diversas relacionadas a crianças, algo que sempre amei e que me incentivou a participar de projetos sociais em minha cidade natal.
Ao entrar na faculdade, aos 17 anos de idade, não tinha muita ideia do que ser como profissional, mas a partir de conversas com um amigo, o Caio, escolhemos que nossa primeira formação seria em Turismo e Hotelaria, área em que trabalhei por 11 anos, mas, ao completar 27, senti que poderia ser mais feliz em outra profissão. Mas qual?
Em conversa com um grande amigo e companheiro de vida, pedi conselhos sobre esse desejo de mudança e, quando ele perguntou o desejo do meu coração, a primeira coisa que pensei foi me formar em pedagogia. Daniel me incentivou e sugeriu conversar com Mariana, uma amiga que tocava maracatu com a gente, em Paraty, cidade que, por conta do trabalho com turismo, foi minha escolha para permanecer como morada.
Essa amiga do maracatu havia mudado de profissão fazia pouco tempo, decidiu fazer pedagogia e, o que não sabia, era que na época estava fundando uma escola com uma outra amiga querida.
Na conversa, ela sinalizou que se esse era realmente o meu desejo, pra ir em busca disso. Simples assim. Um ano se passou e veio um convite dessa amiga para uma entrevista, na escola que ela estava como vice-diretora, pois lembrou do meu desejo de mudança e por conta de um trabalho que desenvolvi em um dos eventos de maracatu que participamos. Uma grata surpresa!
Com a minha experiência administrativa e cartinha de intenção escrita após a entrevista, com dobradura de origami, fui chamada para o trabalho, que prontamente aceitei.
Ao iniciar o trabalho, a direção se colocou para me apresentar ao universo de uma instituição escolar que tem como uma das principais premissas promover uma educação transformadora.
Tantas coisas novas, estar de volta em um projeto social, uma escola que pensa um mundo mais colorido e cheinho de sonhos que sonhados juntos iam se tornando realidade.
Já no meu primeiro mês de trabalho, fui convidada a participar da apresentação de Boi, organizada pela professora de artes e de música, em um evento na cidade. Fui porta-estandarte da escola e nem conseguia acreditar que aquilo estava sendo mesmo possível. O administrativo da escola, num evento em dia útil de trabalho, tendo essa oportunidade de vivência tão linda com crianças e equipe encantadas. Realmente aquele lugar era um sonho possível.
Cada dia que passava me mantinha conectada a palavras que surgiram em uma oficina que participei, para construção dos valores da instituição e que me norteiam até hoje: firme no propósito. E o propósito? Um sonho de escola.
Tudo era tão especial, tão bonito, tão encantador, que facilmente agarrei a oportunidade de vivenciar um mundo mais bonito através da educação, pois, mesmo no administrativo, a escola tem como premissa que todos estão lá como educadoras e educadores.
Tudo muito bonito, mas também muito desafiador, como a necessidade da escola em termos administrativos que envolviam o financeiro, área que não tinha tanta experiência gerencial. Desse desafio veio um novo convite, pois a instituição também tem como premissa investir na formação contínua da equipe e, a partir disso, tive minha formação em administração, em contabilidade, recebi consultorias e, por me darem oportunidades através de um programa de formação de educadores, o PAFE, ainda me formei em pedagogia… pedagogia para a liberdade.
Se formar em pedagogia veio de um desejo antigo, mas aliado ao que via de possibilidades de conexão com o pedagógico. Escolher construir pontes ao se colocar para as necessidades de uma comunidade, diminuir a distância entre áreas que podem se complementar, transformar as relações do dia a dia, se colocando no lugar do outro e para o outro quando preciso. Poder compreender que é possível transformar a educação a partir da sua própria transformação.
Como livro sugerido de leitura, pela Mariana, no início do meu trabalho, tive o Pedagogia do Oprimido e nem tinha tanto conhecimento sobre as obras de Paulo Freire. Mas, a partir disso, da participação em grupos de estudos, promovidos pela escola, da formação em pedagogia, e com o incentivo de tantas e tantos, passei a ter uma nova leitura do mundo e da educação como prática da liberdade. A partir de inspirações e de um olhar mais sensível para o pedagógico, passei e passo por uma formação contínua do viver pedagógico e, a partir de convites de educadoras, me possibilitaram mergulhar nesse universo, podendo dar aulas de educação financeira para as crianças e até de cerâmica, minha outra paixão. Lindas pontes.
Nos meus 27 anos, sonhei e tive a oportunidade de permanecer sonhando um sonho bonito, um mundo mais bonito que a gente sabe ser possível, quando recebemos incentivo, quando optamos em acolher a diversidade, quando escolhemos confiar nas pessoas, pois confiar é uma escolha, assim como o amor é uma ação, já dizia Bell Hooks.
Tantas referências nesses oito anos de Escola Comunitária Cirandas, tantas inspirações que o desejo é compartilhar essa história que não é só minha, pois são conquistas coletivas, que envolvem pessoas, famílias, crianças que tanto amamos. Conexões profundas que são possíveis a partir de oportunidades.
A gente, na teoria, tem de referência tanta coisa legal, e colocá-las em prática, quando a nossa escolha é de construir pontes, não só permite o acesso a outros mundos, mas nos coloca a reflexão de também sermos acesso, darmos acesso a um mundo de possibilidades.
Para além da construção de pontes, eu vejo grandes Cirandas, de tantas cores e nomes pra gente continuar sonhando e seguindo no embalo, onde nossos valores e os valores dos projetos que estamos inseridos vão no compasso de uma música bem bonita.
De mãos dadas, num movimento circular, passos para a esquerda, na batida forte de um bombo, erguendo as mãos no sentido da direção da roda, caminhando, cantando e seguindo a canção.
…
Dedico essa história viva à Fabíola Guadix, Mariana Benchimol, Luiz Guilherme Lutterbach e Jussara Andrade, por serem pontes e inspiração na minha caminhada.
Ao PAFE – Programa de Apoio à Formação de Educadoras e Educadores.
À Escola Comunitária Cirandas, minha universidade da vida.