Conheci Ernst Gotsch em 1994, quando era estudante de Biologia e já muito envolvida nos movimentos agroecológicos. No momento em que entrei em contato com as ideias que baseiam esta ‘visão de mundo sintrópica’, tudo se uniu: a espiritualidade, que já tinha a Floresta como um templo sagrado, a compreensão sistêmica da vida e da nossa função no planeta, e o entendimento da ecologia florestal e do próprio funcionamento do planeta. Lentes de aumento, de profundidade, multicores e pluridimensionais nos foram oferecidas para que pudéssemos enxergar muito além do que pensávamos: aguçar a observação, ativar a percepção e os sentidos, um chamado para nos sentirmos natureza.
“Aprofunda-te na matéria! Abre os teus sensos! Tenta perceber as formas dadas pela própria natureza! E tu chegarás a criar laços mais íntimos com ela. Isto acarretará mais sensibilidade nos tratos, nas relações com nossos irmãos (seres vivos) no campo e na floresta, bem como nas relações entre os seres humanos.” Ernst Gotsch
A AGROFLORESTA, A SINTROPIA
A Agrofloresta!! A Agrofloresta se origina de uma lógica coerente demais para nosso país que tem como “DNA” a Floresta. Produzir alimentos junto às árvores, resgatando e honrando conhecimentos e práticas ancestrais faz todo o sentido e desfaz completamente a agricultura colonizada e “pop” que se instituiu como base da produção agrícola brasileira. Ela é uma resposta aos imensos problemas socioambientais do nosso tempo, frutos do caminho civilizatório baseado no “capetalismo” e exploração.
A Agrofloresta reintegra os seres humanos aos processos naturais e propõe uma mudança de paradigma da nossa relação com a Natureza promovendo uma postura biocêntrica que nos reposiciona no mundo: somos filhos da Terra, um dos seres inteligentes, parte de um sistema inteligente. O Homo sapiens (sapiens mesmo?) sai do pedestal arrogante da superioridade e entra dentro da teia da vida. “Cada ser é equipado para realizar a sua função no planeta, movidos pelo prazer interno e amor incondicional”. Esta frase do Ernst traz múltiplos aprendizados: identificarmos nossos “equipamentos” e encontrarmos nossas funções enquanto seres biológicos e sociais. Enquanto animais, o que nós humanos podemos realizar a favor do planeta, na direção da complexidade? A formiga está manejando as plantas e enriquecendo o solo; os fungos estão transformando a celulose das madeiras em partes menores para que outros seres se alimentem; as bactérias do solo estão em trocas simbióticas com as raízes recebendo açúcar e doando nitrogênio; e, como resultado desta troca, em sua digestão extracorpórea, deixa sua “baba” que é um excelente agregador de solo. Todos realizando funções pelo bem comum, com aumento da quantidade e qualidade de vida. E nós? Que função estamos realizando?
O termo “sintropia” é usado para os processos que complexificam, crescem e acumulam energia, como a vida em nosso planeta. A fotossíntese é o processo que as plantas realizam para transformar energia solar em matéria, e assim, organizar e complexificar. A Agricultura sintrópica é aquela que está sempre criando um balanço energético positivo à medida que regenera os solos, recupera a biodiversidade, regula os ciclos da água, estabiliza o microclima, além de ser altamente produtiva e diversa. E a Agroecologia resgata a Cultura da agricultura com todas suas manifestações e conexões, entre alimentos, celebrações, simpatias, consórcios. Na bandeira agroecológica estão as utopias de uma sociedade mais justa, igualitária, solidária e baseada na natureza. O alimento nosso de cada dia é um ato político em toda sua dimensão; e uma relação de amor com a natureza que nos nutre e se transforma em nossas células.
Muito a resgatar e aprender com os povos originários em suas relações com a Terra Mãe. A construção do conhecimento agroflorestal passa por esta conexão. Como diz nosso querido Ailton Krenak: O futuro é ancestral
A PEDAGOGIA AGROFLORESTAL
A leitura dos processos da natureza é um livro infinito e dinâmico, que sempre nos surpreende e ensina. Grande professora a floresta!! As Agroflorestas são as florestas com a participação humana e são grandes escolas, com todos aprendizados necessários para nossa ecoalfabetização e reconexão.
Identificar toda a diversidade de vida, todas as relações existentes, o processo cooperativo entre os seres vivos, da complexidade, da sintropia é uma baita inspiração. Nossa sociedade podia se abrir mais para estes conhecimentos, para estas relações. Se atentar a potência do corpo coletivo, a harmonia da orquestra. Reconhecer a diversidade de vidas na natureza e trazer este entendimento para a sociedade humana ajudaria a quebrar preconceitos e valorizar a diversidade que somos na unidade da humanidade. Humano vem de “humus”, terra adubada. Momento de resignificar nossa espécie.
A sucessão natural, processo pelo qual a vida caminha no tempo e no espaço numa espiral crescente de abundância e aumento de vida, é a direção, é o caminho natural que nos conduz. Quando atuamos junto à sucessão, estamos agindo a favor de Deus e não contra ele. Co-criar um mundo abundante é o caminho natural. A natureza é generosa, abundante, farta! Já parou para pensar na quantidade de frutos que cada árvore produz a cada ano? E quantas sementes em cada fruto, quantos pássaros, animais… Sejamos generosos!!
Quando realizamos uma poda e organizamos a biomassa podada para estar disponível para os organismos do solo, estamos fazendo parte de um ciclo, facilitando a circulação da matéria, fornecendo alimento e água aos seres do solo, luz para as plantas e, ainda, promovendo uma dinamização hormonal através das raízes para toda a vegetação ao redor da planta podada; além de informação de rejuvenescimento e pulsação de vida. A vida é fluxo e, quando há estagnação, há desequilíbrio. O que precisamos podar e dinamizar em nossas vidas? Onde podemos pôr mais biomassa e, assim, nos adubar? Fertilizar os sonhos….
Se atuarmos no fluxo da vida, colheremos fartas quantidades de alimentos, produziremos água e abundância de recursos, e estaremos plenos em realizar nossa função sintrópica no mundo.
A Educação Agroflorestal promove uma reflexão crítica sobre o mundo em que vivemos e o mundo que queremos: de uma visão antropocêntrica para a consciência planetária; agir para “outros mundos possíveis”. A pedagogia do “aprender fazendo” proporciona vivenciar experiências, compartilhar aprendizados, observar, abrir canais de percepção, participar do ambiente e se integrar à rede de fluxos e relações vivas naturais. A práxis agroflorestal é um contínuo aprendizado com a natureza.
Todo este arcabouço filosófico, existencial, bem como técnico e político das agroflorestas, é altamente pedagógico. De crianças a adultos, as experiências de vivenciar a sintropia na prática, coletivamente em mutirões, são transformadoras, profundas e abrem chaves de mudanças. “Agrofloresta é coisa de tribo” e são nos processos coletivos que se dão as maiores construções de conhecimento, diálogos e ecologia de saberes. Na Fazenda São Luiz, realizamos o Projeto Arte na Terra que oferece experiências e vivências diversas nas Agroflorestas numa perspectiva pedagógica em ecologia profunda. Fazer arte na terra é manejar, conectar, sentir, plantar, celebrar, co-criar junto à mãe Terra. Vamos fazer Arte na Terra?
Viver neste estado de espírito, conectado com o todo, nos faz sentir no corpo o coletivo, pertencentes, agentes, seres queridos no planeta azul.