Coluna de Marília Pires – mulher, psicanalista, mãe, escritora e avó – em parceria com o projeto Grita!
Nós, mulheres nascidas nos meados do século passado, temos uma marca específica na relação ao trabalho. Pois que foi nosso lugar de diferenciação, de afirmação – o salto da inserção na cultura, diretamente no mundo produtivo e no poder que o dinheiro dá. Não que antes de nós outras mulheres não trabalhassem ou tivessem seu rendimento. Mas foi na nossa geração que isso se tornou o modelo socialmente valorizado e não mais a exceção daquelas que trabalhavam “para ajudar na casa”. Invadimos as universidades – tivemos acesso ao Saber. Adentramos competitivamente ao mercado de trabalho e construímos nossas carreiras. Passamos a ter rendimentos compatíveis com nosso empenho. Criamos a geração que nos segue com uma concepção de mundo masculino/feminino totalmente diversa daquela que nos antecedeu.
E hoje estamos com um outro problema: o de não saber o que é ser uma idosa. A identidade está de tal modo fincada na relação com o trabalho, que não tenho visto as mulheres sabendo sair dele e buscar outros lugares. Possíveis. Até mais compatíveis com o merecido repouso das senhoras guerreiras. Claro, as mulheres das gerações que nos antecederam nunca tiveram de se defrontar com essa questão. Elas estavam em casa, na lida, e assim continuavam esperando o resto da vida passar.
Isso não combina em nada com o estilo da nossa geração. Nós aprendemos a ser ativas e continuaremos ativas por muito tempo mais. O que eu me pergunto é: mas fazendo o quê? Não precisamos mais correr, enlouquecidas, atrás da grana ou dos filhos pequenos. Em que, pelo contrário, já se pode deitar numa rede para ler aquele tanto de livro que sempre se quis (puro imaginário…) Está na hora de, de novo, sabermos inovar. Ir à cata daquilo que seja uma boa qualidade de vida. O que será isso para cada uma de nós? Tem-se de saber do desejo, dos sonhos, não dos que que não realizamos, dos que são possíveis de realizar. Com muitos pontos já demarcados: com a grana que temos, com a idade que temos. E planejarmos para operacionalizá-lo já. Enquanto somos saudáveis, interessantes, vividas. Se houve o tempo de construir uma vida, está na hora de aproveitá-la. Se não… quando?
Três netas se despedem hoje de mim, numa só tacada coincidente, de partida para estudarem fora do Brasil. “Queria muito chorar agora, porém, a dor é um processo muito particular”, diz a poeta Adriana Versiani.
Queria chorar de berrar, mas não posso barrar, acho incrível que elas tenham essa possibilidade, dou a maior força.
E velho não chora, sabia? Todo a dor que sairia em forma de lágrimas não extravasa mais assim. Nem no Google encontro uma explicação/confirmação se a falta de lágrimas é genérica ou particular. Invento então a teoria de que acontece com os velhos que já gastaram sua cota de lágrimas ao longo da vida. É horrível não conseguir mais chorar. A gente fica sem um código de expressão universal. Porque o sentimento existe e fica só apertando o peito. Posso mal mal abraçar com amor, não consigo mais expressar minha dor.
Gostou desse artigo? Confira mais artigos de Marília Pires em https://www.gritaprojeto.com.br/mariliapires