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Resiliência Resistência Amorosa

Na última coluna de 2022, Helena Stewart nos entrega a sabedoria das mudanças, o encaixe ou desencaixe ao fluxo das transformações, o atravessamento da incerteza. O lapidar. Tudo isso condensado na palavra ‘resiliência’.

De vez em quando, fico tentando esticar as palavras pra ver até onde elas vão.  Se elas querem dizer só aquilo mesmo que foi estipulado para elas, ou se elas se renovam em trajetórias imprevistas. Quem anda a passear comigo é a palavra resiliência. Resiliência pode ser usada para pessoa, para planta, para cadeias de montanhas e até para finanças. Uma palavra versátil, como se diz por aí! O conceito foi inventado na década de 70 por Crawford, um ecologista do Canadá, enquanto observava sistemas sócio-ecológicos. Ele nos conta, entre tantas descobertas, que resiliência é sobre incertezas, dinâmicas não lineares, limites. Ou, como mudanças graduais interagem com mudanças rápidas e como esses dois movimentos conversam com escalas planetárias e estrelares! Observa também que a interdependência entre seres humanos e não humanos é uma característica primordial da resiliência.

Então, já que ela não anda em linha reta, não é sobre a possibilidade de haver perturbação. Existem pedras no meio do caminho. De tamanhos e estruturas distintas. Trata-se, então, da capacidade de lidar com as perturbações e recuperar a estrutura essencial. Ou aprender a adaptar-se às mudanças ou, mesmo, a Transformar-se. Nunca sozinho, mas em relação às maravilhas e perturbações de todos que nos cercam, em micro e macro escala! Em contínua cooperação visível e invisível.

A resiliência também não é sobre ser persistente ou resistente à perturbação. É sobre a possibilidade de brechas que a perturbação abre, para criar novas combinações de estruturas, encontros e renovação. O sistema é complexo e dinâmico.  O sistema é mais do que a soma das partes. O sistema somos nós por dentro, nossos órgãos, músculos e células; nossa vizinhança, nossas redes, os movimentos sociais, as montanhas e mares, rios e florestas, cidades e fumaças que formam nosso ambiente. Os pássaros, flores, frutas, minhocas, bactérias e sonhos que convivem conosco. Afetos, pensamentos e teias que nos entrelaçam. Tudo em movimento. Podendo mudar a todo momento, seguir outros trajetos, mudar de ideia, de rumo e de roupa. Penso na resiliência vestida para várias ocasiões: para uma convenção sobre as mudanças climáticas, na feira de produtos agroecológicos, nas ruas e quebradas das favelas, na sala de aula de geografia, na caminhada, na terapia, dançando e cantando!

Nos conta um outro curioso, chamado Folke, que é melhor  aprender a gerir a mudança em vez de simplesmente reagir a ela. Isso implica que a incerteza e a surpresa fazem parte do jogo e você precisa estar preparado para isso e aprender a conviver com isso. O bom e velho jogo de cintura, a sinuosidade capaz de se esquivar quando necessário e de se manter firme na estrutura essencial. Avançando em velocidades e trajetos descobertos pelo caminho.  De que forma a gente reage ao que acontece com a gente? De que forma a gente segue? De que forma a gente estanca?

Essa capacidade de gerir tempos, surpresas, relações, redes, emoções, dinheiro, trabalhos, de saber recuar e também avançar, de brincar, de ter convicções amorosas que nos mantém de pé. Resiliência pode ser isso tudo e mais. É sobre a diversidade e sua enorme força de manutenção sistêmica. Sobre criar condições favoráveis a toda forma de vida no planeta. Sobre cooperação. Sobre fluxos. Essas são palavras que eu já gosto faz tempo. Andam nos meus bolsos, na minha cabeça, nas minhas mãos. Fico contente quando antigas companheiras encontram novas possibilidades de combinações semânticas. Ampliam e renovam o olhar e o oxigênio que entra pelos pulmões e se espalha através do sangue para todas as células.

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