O mundo vai acabar. Em breve. Ou melhor, a raça humana vai ser exterminada. Em cerca de 40 anos a Terra vai entrar em colapso irreversível e nossa chance de sobreviver enquanto humanidade é de 10% (isso quem confirma é um artigo da Nature, uma das revistas mais conceituadas do mundo). E eu ainda hiperbolizo esse terror: em 5 anos, o mundo como a gente conhece não vai ser mais o mesmo. E não, não há mais nada que possamos fazer em relação a isso.
Passei as últimas semanas pensando incessantemente sobre a velhice que nunca vou viver. A calma, o vento nas árvores, o silêncio, o clima ameno, os pássaros, os livros – tudo estará em chamas. Não vai dar tempo de conhecer as pirâmides do Egito, as águas da Tailândia, as pessoas do Japão. Talvez nem de pisar na Amazônia, me encantar pelo Maranhão, caminhar num deserto ou ver a neve. Não vai dar tempo de realizar os sonhos que ainda nem sei quais são, envelhecer ao lado do meu parceiro, ver nossos filhos crescerem, se apaixonarem e realizarem seus sonhos. Do que adianta pensar em futuro se ele não existe?
Sou jovem, mas nunca me senti tão adulta quanto agora, que perdi as esperanças. Não há o que fazer, repetem as matérias dos jornais mais conceituados do mundo, chegamos no ponto de não retorno. Todas as atividades sobre os 3R’s na infância, os anos de veganismo, a adolescência ativista e toda esperança depositada em minha geração de salvar o mundo por aqueles que nos fizeram o favor de destruí-lo: tudo por água abaixo. Não há o que fazer.
Deito na cama, preencho os olhos d’água, tento me distrair na internet e tudo que vejo é morte. Escolas bombardeadas, crianças ensanguentadas, jovens alistados e bilionários enriquecendo. Os posts pagos, as lives NPC, o excesso de opinião infundada. Respiro fundo, desesperançosa, desligo o celular e resolvo sair na rua. Vejo escolas sucateadas, crianças abandonadas, jovens desempregados e bilionários enriquecendo. Talvez o nosso fim venha antes mesmo da Terra não nos suportar, talvez não nos suportemos enquanto espécie.
Ouvi num podcast matinal sobre a pior seca da história no Rio Solimões, e me recordei de uma canção infantil que dizia sobre um ribeirão que secou. Uma vez, eu devia ter uns 4 ou 5 anos, tivemos que ilustrar a música para uma apresentação da escola. Cada criança seria responsável por um verso da música. “As flores já não crescem mais/ Até o alecrim murchou / O sapo se mandou / O lambari morreu / Porque o ribeirão secou! / Oh, tra lá lá lá lá …”. Bom, fiquei encarregada do tal do lambari (que eu pronunciava lâmbari, por conta da cadência da música), e como uma mini geminiana com imaginação aflorada e pensamentos existencialistas, deduzi que o dito cujo seria um senhor ribeirinho que teria sofrido com a seca do rio e infelizmente falecido. Agora imaginem, a turma com desenhos lindos de flores, alecrim, sapo… até que chega o meu lambari: um homem, de chapéu de palha, deitado na horizontal, morto. Os adultos se divertiram tanto que resolveram não me corrigir, deixaram assim mesmo no vídeo final (que até deve ter em DVD lá em casa) e eu só fui entender tempos depois que o danado do lambari era na realidade um peixe.
Bom, pequena Luana não deixava de estar certa, e hoje vejo no jornal o povo morrer porque o ribeirão secou. Pensando bem, acho que faltava um pouco de contrapartida na música. O que é que a gente poderia ter feito para não secar? Será que já não dava mais tempo? Instauram pensamentos apocalípticos na mente dos pequenos e não trazem nem uma solução? Só trá lá lá lá lá???? Tenho certeza que eu faria o que quer que fosse para salvar o coitado do lambari. E talvez eu tenha feito. E certamente muita gente também. Mas não deu tempo.
Me sinto pequena, impotente. Nada tem importância. Pra que tentar se não há caminho? Pergunto ao meu redor: Não entendem? É o fim dos tempos! Não existe futuro! Me olham assustados e me sinto uma profeta apocalíptica gesticulando para cegos. Não se importam. Tentam me confortar sem saber que é o que menos busco. Dizem que sempre foi assim, que sempre ameaçam que o mundo está para acabar, e não acaba. Desde do Império Romano até a virada do ano 2000, o que não falta é premonição. Busco na memória o dia 12/12/2012, quando minha avó me levou junto com meu irmão para a Praça do Papa, onde fizemos um piquenique às 12:12 e esperamos o fim do mundo que não veio. Respiro em falso alívio, talvez dessa vez também não acabe. Ou pelo menos não com um grande acontecimento, como zumbis, meteoros ou invasões alienígenas. O mais provável, e mais aterrorizante, é que esse fim venha aos poucos, arrastado. Bombas atômicas, máscaras de oxigênio, rios secos e guerra por terra – tudo que já está acontecendo. Se houver possibilidade de sobrevivência humana, seja em cidades subterrâneas ou no metaverso, não será para todos, e certamente não é uma vida que eu gostaria de viver.
Tentei chegar em alguma conclusão otimista para esse texto, mas o tralalalar é inevitável. Ainda não encontrei nenhuma solução para manter as esperanças com a certeza do fim. Sento no Sol, e espero que eu consiga viver mais momentos sem ser inundada pela paralisante inexistência de futuro. Penso nos 40 anos que ainda estão por vir, e de repente me parece muito tempo, e 10%, uma boa chance. Não vai dar para mudar o mundo, e meus esforços ainda que contínuos, certamente serão em vão, mas talvez ainda dê tempo de me lavar em novas cachoeiras, plantar algumas árvores, descobrir cores que nunca vi, desfrutar de conversas longas, me deliciar com sabores surpreendentes, observar paisagens inebriantes e fazer uma dúzia de coisas pela primeira vez. Torço, mesmo descrente, por um fim sem dor, e guardo num canto da mente a imagem de um piquenique na praça, pessoas que amo profundamente reunidas e a voz de Milton Nascimento nos levando juntos para outro plano.