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O Jogo dos Palhaços

Na coluna de março, Paulo Pires, o Palhaço Popó, conta como o riso é uma forma de conexão de afetos, de transformação pessoal e social. E o palhaço, o mensageiro do riso.

Na coluna de março, Paulo Pires, o Palhaço Popó, conta como o riso é uma forma de conexão de afetos, de transformação pessoal e social. E o palhaço, o mensageiro do riso.

Rir, rir junto, rir de si, rir de nós! Eis o jogo dos palhaços. O riso e o palhaço são imediatamente conectados.

Um palhaço, ou o arquétipo do palhaço, é uma das imagens mais conhecidas a habitar o nosso inconsciente desde a infância. Esse personagem pode ser reconhecido em qualquer tempo ou lugar. Andando pelas ruas, caracterizado como palhaço, qualquer um pode experimentar a sensação de ser conhecido e íntimo dos transeuntes, que provocam, acenam, riem e interagem com ele sem nem saber seu nome.

Para alguns pesquisadores, o palhaço é uma explosão de afeto, um comunicador de mundos possíveis, um quebrador de tabus que brinca e ridiculariza uma situação preconceituosa para daqui a pouco conseguir libertar o público dessa paralisia. Outros enfatizam que, para que a magia aconteça, é preciso que seja estabelecida uma conexão verdadeira entre o personagem e o público, e o palhaço é esse construtor de elos que nos conecta e nos transforma. É com essa conexão que o jogo acontece, com uma troca incessante entre o dar e receber que vai se transformando e inspirando ator e público ao mesmo tempo. Esse estado mútuo de generosidade é o que vai proporcionar incríveis interações e improvisações, fazendo com que cada apresentação seja única. Mas o ator está sempre observando e atento para que certos limites da integridade, do abuso e do constrangimento do público não sejam ultrapassados.

Outra linha de atuação e pesquisa já se baseia na construção do roteiro da apresentação de forma pragmática e técnica, com truques, gags, técnicas circenses, instrumentos, traquitanas e piadas que, como numa receita, levarão o público às tão desejadas gargalhadas. Nessa linha, não há certo e errado, se o público riu é porque funcionou, se não riu é porque não funcionou.

Uma outra característica marcante dos palhaços é estar atento ao momento presente, aberto ao que acontece ao seu redor, para que possa, ou tenha, de improvisar. A liberdade para subverter seu roteiro devido a um comentário ou reação inesperada, uma risada espalhafatosa, um bêbado que cruza a cena ou um avião que corta o céu.

Estar ciente do momento atual, dos acontecimentos artísticos, sociais, políticos e econômicos, é primordial para que se comunique bem com o público e se faça entender. Tudo se torna material para o artista criar gags, piadas, lidando com acontecimentos que estão nas cabeças das pessoas. Piadas aceitas e usadas no passado, que reforçavam preconceitos, hoje já não são mais aceitas e nem têm graça. Esse temas podem estar presente em cenas cômicas, mas de maneira a ridicularizar e desconstruir essas ideias, de quebrar tabus que ainda persistem em nossa sociedade.

Para resolver uma questão ou um problema social, nada melhor do que rir dele, ou no caso do palhaço, também rir de si mesmo. O riso descontrai, subverte, ridiculariza e tem o poder de reduzir o mal. Ao ser questionado sobre como podia fazer piadas com uma situação tão grave e nefasta como Hitler e o nazismo em “O Grande Ditador”, Charlie Chaplin respondeu que ao rir e ridicularizar um personagem como Hitler, ele estava rebaixando o mal de um lugar inatingível para o nosso nível, do humano, e que, portanto, poderia ser derrotado. Para ele, “a coisa mais engraçada do mundo pode ser ridicularizar fanfarrões e exibicionistas em altos cargos” e “é saudável rir das coisas mais sinistras da vida, inclusive da morte. O riso é um tônico, um alívio, uma pausa que permite atenuar a dor.”

Ao ridicularizar situações incômodas, colocar o dedo em feridas sociais e quebrar tabus, o palhaço aponta para um futuro onde essas situações sejam superadas e transformadas. O riso do palhaço liberta, pode curar, pode unir, porque no riso todos são iguais, não há distinção. Há que se entender a gag para rir dela, no riso falamos a mesma língua e compreendemos porque aquela situação é engraçada.

O mestre Ariano Suassuna nos fala sobre alguns tipos de risos que podemos experimentar: o riso do que é diferente e da diferença; da violência e da dor; do espanto e da surpresa; do bizarro, esdrúxulo e excêntrico. Salienta que quando rimos de alguma situação contada ou encenada, não estamos rindo ou ridicularizando uma situação ou pessoa real, é uma farsa, é uma ficção, é um rir de si mesmo e do tanto que nossas vidas podem ser ridículas ou rizíveis. Para que assim consigamos nos ver um pouco de fora, enxergando nossa pequenez e insignificância perto da grandeza do mundo.

No passado, hoje e sempre, enquanto houver uma criança ou uma plateia com alma de criança, com esse espírito de descoberta, de não saber, de estar aberto para a experiência, os palhaços existirão e seguirão atuando em todos os cantos onde o povo está. Numa praça, nos palcos, em filmes ou na internet, seja onde for, os palhaços seguirão sua missão de fazer rir, de rir de si mesmo, de expor o seu próprio ridículo para o deleite do outro e até sofrer para a alegria alheia. E com isso, talvez, provocar profundas transformações quando vivenciamos uma experiência única e forte de estarmos totalmente no presente e podermos rir juntos da nossa condição humana, das nossas limitações e falhas, da nossa efemeridade.

Viver no presente, estar aberto ao outro, criar conexões verdadeiras, se afetar e ser afetado, quebrar tabus e dogmas. O poder da comunicação entre o palhaço e o publico pode nos libertar e nos curar. Pois o riso nos transforma, nos une e nos conecta. Ao rirmos juntos, nos tornamos um só, independente de nossas diferenças, nos irmanamos e descobrimos o quão valiosos são o nosso presente e as nossas vidas.

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