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Nozes e pilates: nem só disso vive a mulher brasileira

Na coluna desta semana, Laura Costa, colunista do GRITA, reflete sobre o choque entre a cultura meritocrática e a realidade das mulheres no Brasil.

“Acordar 4h da manhã para fazer exercício e colocar o pilates em dia? 

Ah, basta querer! “

As mulheres estão exaustas. Exaustas de tanta pressão. De tanta cobrança. De terem que fingir ser aquilo que não são. Seguindo nessa mesma linha de raciocínio, há também o “basta querer”. Frase tão simplesmente usada para corroborar com a pressão da sociedade meritocrática e excludente que a gente vive. 

O problema dessa frase não é a ideia de motivação que ela cria. O problema é que ela finge que tudo nessa vida passa, única e exclusivamente pela motivação individual. Como se não fossemos cercadas de coletivo, de realidades sociais distintas, de pontos de partida diversos. Iniciativa própria é incrível sim, mas cobrar as mesmas coisas de pessoas que vem de espaços claramente diferentes pode soar injusto e desproporcional (e de fato é). 

Em um país onde quase 28 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, precisamos saber o que estamos falando e com quem estamos falando. Em um país com tamanha pobreza e desigualdade, precisamos falar de privilégio. Precisamos saber que a vivência de ser mulher é diversa e está longe de ser homogênea.      

O discurso das redes sociais que impregnam um único padrão de beleza certamente não leva isso em consideração. A verdade é que, diante da sociedade injusta que vivemos, muitas pessoas precisam sair do modo sobrevivência para se dar o direito de pensar em qualidade de vida. E, infelizmente, antes da qualidade de vida, muitas perguntas vêm antes. Muitas dessas perguntas, sem respostas: “Vou conseguir pagar o aluguel? Colocar comida na mesa de casa? Ter onde dormir?” Diante dessas perguntas, o “basta querer” perde lugar. 

Em um país como o nosso, não é todo mundo que pode pensar além dos boletos e por isso esse discurso é tão excludente e massacra tanto a autoestima de tantas mulheres que, no final do dia, estão dando seu suor de luta por elas mesmas e pelos seus. Vivemos em uma sociedade que exige das mulheres a perfeição, sempre. Uma sociedade em que o direito de ser imperfeita nos é negado. Não basta ser mãe, trabalhar por três turnos, passar horas no transporte público, lutar para sobreviver que, ainda assim, vão dizer: “Nossa tá descuidada, que cabelo isso, que roupa aquilo”. E quando ela se arrumar, também vão dizer: “arrumou demais, virou perua? Uma mulher da sua idade? Tá com dinheiro sobrando?”

Precisamos parar de vender conceitos como individuais (como o “basta querer”) quando eles fazem claramente parte de um todo, de um coletivo. A obrigatoriedade imputada no “basta querer” pode ser excludente para quem não pode sair da linha de pensar além dos boletos. Reproduzir esse discurso e mandar comprar a balinha rosa das blogueiras é violento para quem faz parte dessa estatística. Falar em acordar mais cedo para o pilates pode ser violento com quem passa horas em 2 ou 3 ônibus diferentes para chegar ao trabalho. 

Fico feliz por todas as mulheres brasileiras que conseguem fazer seu pilates matinal e comer nozes no café da manhã, mas que a gente se lembre que esse é um privilégio e que o discurso de “quem quer consegue” pode ser muito mais violento que nossos olhos conseguem ver.

Gostou desse artigo? Confira mais artigos de Laura Costa em https://www.gritaprojeto.com.br/lauracosta

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