Em uma sala de professores, após o almoço, a frase que mais se escuta é: “que vontade de comer um docinho”. Essa frase permeia os inícios de tarde na nossa escola e, num determinado dia, eu brinquei com um dos professores presentes com a seguinte frase: “fiquei sabendo que você vai trazer os saquinhos de São Cosme e Damião na próxima semana?”. Essa brincadeira foi o bastante para despertar em cada um dos que ali estavam as memórias de infância.
Eu, particularmente, me recordei do quanto corria de casa em casa em busca dos saquinhos de doces, que no final do dia se transformavam em uma bacia cheia que era saboreada por toda a família durante a semana. Lembrei de ajudar minha mãe a organizar os saquinhos de doces que ela distribuía pelo muro de nossa casa. Eu, junto com meus filhos, organizamos durante anos esses saquinhos e, também, passamos a distribuí-los em Paraty.
Outros colegas compartilharam suas memórias, inclusive de nunca ter comido esses saquinhos de doces por conta de questões religiosas.
Hoje, mesmo em nossa cidade, considerada uma cidade pequena, essa tradição já não existe mais. Estamos perdendo essas memórias. Tenho uma amiga que ainda faz essa distribuição, mas, por falta de crianças que corram atrás desses saquinhos, ela acaba divulgando nas redes sociais e os entrega aos adultos em suas casas. Sem querer trazer qualquer tipo de polêmica sobre religião, alimentação ou outras questões que possam envolver esse assunto.
Na semana seguinte, durante nossa coordenação pedagógica, que naquela semana caiu exatamente no dia de São Cosme e Damião (27/09), fiz questão de entregar a cada colaborador da escola um saquinho com doces que eu, juntamente com minha filha, havíamos organizado para esse momento.
Grata surpresa em cada rosto, a alegria de criança diante de uma coisa tão simples. Por um momento, ninguém falou em dieta, questões religiosas, excesso de açúcar, ou qualquer dúvida de que o melhor a se fazer era abrir aquele saquinho e se deixar deliciar pelo seu conteúdo. Assim, seguimos nossa reunião regada de muitas gostosuras.
Eram as minhas memórias, construindo outras memórias.
Chegando em casa, me peguei pensando exatamente nas memórias que carregamos conosco e como nossas ações podem gerar boas memórias para nós mesmos e para aqueles que nos cercam.
Enquanto famílias, enquanto escola, que memórias queremos construir em nossas crianças? Que memórias queremos que elas tenham no futuro? Será que a memória que elas terão da escola, de mim, enquanto diretora, serão boas? Serão ruins?
Nunca havia parado para pensar o quanto somos responsáveis pelas memórias daqueles que nos cercam, o quanto somos responsáveis pelas memórias dessas crianças.
Quero poder contribuir para que as memórias que essas crianças tenham de nossa escola sejam as melhores e mais importantes possíveis.
Que tal deixarmos de nos preocupar em criar conteúdo para nossas redes sociais e passarmos a nos preocupar com a construção de boas memórias?