Os projetos desenvolvidos pelas professoras de Trabalhos Manuais do INOV (Instituto Ouro Verde, em Nova Lima – MG), partem de uma premissa comum a todas escolas Waldorf: utilizar materiais naturais e vivos para a criação de artesanatos com os estudantes. Seja tricô, marcenaria, olaria ou outra atividade de manufatura , crianças e jovens participam da coleta ou do plantio de algodão, milho ou banana até que produzam a matéria prima em que vão trabalhar. Os projetos são desenvolvidos de acordo com a quantidade e disponibilidade de materiais produzidos pelos alunos e professores.
Karla Rosa, professora de Trabalhos Manuais do INOV, explica que dentro da antroposofia sempre são utilizados materiais naturais porque são vivos, se alteram com as mãos, com o calor. Nas Artes Manuais são trabalhados materiais duros e moles: os moles, como o algodão e a lã, atuam no pensar e no sentir da criança; os duros, que são trabalhados na marcenaria e olaria, ensinam que a natureza pode ser transformada pelo homem, que podem agir sobre ela e modificá-la.
Respeito e veneração aos seres vivos
Desde pequenas, estas crianças são ensinadas a venerar esses materiais, a entendê-los como únicos: aquela semente de algodão chegou especialmente para aquela turma do INOV. O aprendizado com esse processo é de respeito e veneração a cada espécie de árvore ou planta. Já sobre o artesanato, Karla explica: “quando a criança vê uma bananeira, já sabe que ela não vai ser tirada da terra indiscriminadamente; vamos tirar uma parte da casca da bananeira que vai servir para a turma inteira. E depois, vai ter o processo de limpeza, secagem, de moer a fibra e, aí, nós vamos tecer. Utilizamos várias partes das bananeiras, podemos até fazer papel com as crianças mais velhas”.

Karla conta também que com o milho é feito o mesmo processo: secagem, fazer as tiras e trançar. As crianças do 3° ano trabalham a terra, colhem o milho, colocam a palha para secar e, depois de seca, levam o material para o 9° ano, que trança as cestas. “Aí vem o movimento da veneração, percebendo que a terra e eles estão doando para os outros; isso vem cheio de verdade e amor”, celebra a professora, que completa: “Isso não é tão consciente para eles (alunos); é mais do sentir, do sensível…”
Fiando o desejo e trançando utilidades
Uma característica do aprendizado no Instituto Ouro Verde é que existe a questão da terra, do plantio da semente, de entender e fazer os ciclos completos da produção e das realizações. À princípio, as crianças fazem as tiras e pulseirinhas com a fiação ou trancinhas. A partir desse fio grande é que se faz a cestaria, onde vão trançando e fazendo desenhos, com características indígenas e de outras culturas. Existem diferentes trançados em cada cultura, abertos ou fechados, que vão fazer diversos objetos. Geralmente, são feitas coisas úteis e menos ornamentais, pra que eles sintam essa utilidade do material. A professora explica que, assim, trabalha o desejo por algo e a realização deste desejo, um aprendizado que é estimulado através de todo este processo.

Visita técnica e valorização do trabalho
Dentro do projeto de Trabalhos Manuais, os alunos fazem visitas ao interior, onde moram as artesãs que fazem cestas. De acordo com a Karla Rosa, elas, muitas vezes, são menosprezadas: “existe uma menos valia, que infelizmente atingiu as artes manuais depois da invenção das máquinas. A palavra artesanato perdeu o seu valor, que deveria ser enorme; é de onde viemos, do trabalho com as mãos”, alerta a professora.
“Hoje em dia, com essa febre de ansiedade que atinge as crianças, nós não aprendemos o processo (desejo/planejamento/realização) e queremos tudo na hora. Passamos a vivenciar uma realidade que é nossa, atual, mas não nos deixa ser nós mesmos. Não temos um tempo para nós e o trabalho manual nos traz para o processo onde ganhamos isso”.
Karla Rosa – INOV
Aprender a errar
Uma outra face desse processo de aprendizado é a terapêutica. Os trabalhos com o tricô, de olaria e da horta são terapêuticos: a professora conta que, quando uma criança erra várias vezes um ponto do tricô e não desiste, isso gera um aprendizado muito rico. “Na aula de hoje, perguntei às crianças: nós vamos errar hoje? Eles responderam: sim! Uma vez? Duas vezes? Sim. Muitas vezes? Sim. E vamos conseguir? Sim. Eles aprendem que nós erramos. Por que o que é a vida senão errar para podermos viver?”, questiona Karla.
Esse é o tipo de abordagem no meio mercadológico e do mundo também: “não se pode errar e temos que ser perfeitos. (Contudo) A perfeição está em outras coisas, como na semente que vai nascer o algodão: isso é ser perfeito”, conclui Karla.
