Matéria publicada em 17 de abril de 2025.
Enquanto muitos eventos de tecnologia ainda debatem o “futuro do blockchain”, a Rede Muda Outras Economias foi até a Costa Rica para mostrar o que já está acontecendo no presente. A convite da Associação de Blockchain da Costa Rica, a Muda participou do 5º Tico Blockchain, um encontro que reuniu cerca de 300 pessoas em torno de temas como fintechs, moedas digitais e impacto social.
Com uma trajetória que une tecnologia, cultura, agroecologia e economia solidária, a Muda levou ao evento uma proposta inovadora: uma moeda social lastreada na confiança e em ações conscientes — e não em promessas ou especulação.

Uma moeda viva: 5 anos de rede, 30 anos de história
A Muda não surgiu do zero. Ela é o resultado de mais de três décadas de práticas comunitárias em diferentes regiões do Brasil, conectadas por uma rede afetiva e colaborativa. Com mais de 6.000 membros ativos, a moeda Muda circula hoje em estados como RJ, MG, ES, GO e SC, sendo usada para troca de produtos e serviços — como alimentos orgânicos, terapias, arte e educação.
O diferencial da Muda? Segundo Luiz Hadad, integrante da rede e da plataforma Cambiatus, é justamente a capacidade de gerar impacto real e engajar pessoas em ações concretas, com uso intuitivo da tecnologia blockchain.
“O valor da moeda está na confiança. Quando usamos blockchain para criar algo fundamentado em boas ações e relações humanas, mudamos a lógica do que é o dinheiro”, diz Hadad.
Conexões latino-americanas: inspiração e trocas no Tico Blockchain
Durante o evento, os representantes da Muda — Flávia Berton, Ivam Cruz, João Artigos e Luiz Hadad — participaram de painéis, oficinas e rodas de conversa. Um dos destaques foi o painel sobre moedas digitais e impacto social, onde a Muda chamou atenção por já estar em operação há mais de cinco anos, com resultados concretos.
A rede também ofereceu um workshop prático, ensinando como acessar a plataforma, visualizar ofertas e resgatar Mudas. Na mesma mesa, os costarriquenhos Karla Córdoba e Ranulfo Barbosa apresentaram o projeto CofiBlocks, uma iniciativa para fortalecer pequenos produtores de café por meio de blockchain — também com apoio da Cambiatus.

Além das discussões tecnológicas, a presença da Muda também se manifestou no campo da cultura. O artista e palhaço João Artigos conduziu uma oficina de palhaçaria e comicidade negra com a Rede Latino-Americana de la Risa, integrando a moeda social às linguagens do riso, do corpo e da experimentação.
Essa transversalidade entre arte, economia e tecnologia é uma das marcas da Muda — que, segundo Hadad, não quer crescer a qualquer custo, mas sim com alegria, afeto e propósito.


O tabu do dinheiro: blockchain como ferramenta de ressignificação
Hadad também refletiu sobre os desafios culturais enfrentados pelas moedas sociais. Ele destaca o tabu histórico, enraizado desde a Revolução Industrial, que vinculou a legitimidade do dinheiro ao monopólio estatal. Para muitas pessoas, ainda é difícil aceitar que uma moeda possa emergir de uma comunidade e ser lastreada em confiança — e não em ouro (como, aliás, já não acontece desde os anos 1970).
Desde que o padrão ouro foi rompido em 1971 por Richard Nixon, as moedas correntes — chamadas de fiat — passaram a ser criadas pelos Bancos Centrais, a partir da emissão de títulos públicos. Curiosamente, o termo “fiat” vem do latim fiat lux (“faça-se a luz”), uma referência bíblica à criação da luz a partir do nada. Assim também funciona o dinheiro hoje: criado “do nada”, baseado na confiança.
O lastro dessas moedas é, basicamente, a fé na estabilidade e força econômica da nação que as emite. Para Hadad, quando governos gastam mais do que arrecadam, recorrem aos Bancos Centrais e suas impressoras de dinheiro — e aí nasce o problema: desconfiança, inflação, e ciclos de instabilidade.
É nesse cenário que a Muda surge como um experimento social que reacende a esperança. “Mais importante do que a tecnologia em si, é provocar uma reflexão: existem diversos tipos de dinheiro — e nós, como comunidades, também podemos criá-los.”
Educação, confiança e expansão orgânica
A educação é um dos pilares do crescimento da Muda. Segundo Hadad, as ações cotidianas — como trocar Mudas por cestas orgânicas ou participar de atividades culturais — ajudam a ampliar o entendimento sobre o uso da moeda.
O modelo da Muda também não tem limites territoriais e sua plataforma online permite participação de pessoas em diferentes lugares do mundo. Ainda assim, a entrada na rede é feita por convite, garantindo uma base sólida de confiança e afinidade.


Além do apoio da Rede Saúva, a Muda está buscando novas formas de financiamento compatíveis com sua lógica colaborativa e descentralizada. Uma delas é o financiamento quadrático, modelo comum no ecossistema Web3, em que projetos recebem recursos conforme o número de apoiadores e os valores arrecadados coletivamente.
Essa abordagem combina tecnologia, comunidade e descentralização, fortalecendo a autonomia de iniciativas como a Muda.
O futuro da Muda (e das moedas sociais)
Para Hadad, a Muda está apenas começando. Ainda é um laboratório vivo de inovação social, mas os frutos desses cinco anos já são visíveis — e inspiradores. A presença no Tico Blockchain mostrou que há ressonância internacional e que outras comunidades, como a das finanças regenerativas da Costa Rica, já estão pensando em como adaptar o modelo da Muda às suas realidades.
“A grande beleza da Muda é que ela pode existir em outros contextos, em outras localidades. O impacto pode ser global — e regenerativo.”

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