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Uma carta para bell hooks – uma escola comunitária aprendendo a transgredir

Carolina Fonseca é pedagoga e mestre em Educação pela UERJ. Foi professora-tutora por dois anos na Escola Comunitária Cirandas e atualmente está como Coordenadora Pedagógica.

Querida bell,

assim como diz a música do Barbatuques, “eu quero começar, mas, não sei por onde”…

Tenho tantas coisas para te contar e te agradecer…

Suas teorias deram voz às minhas dores, mas também, às minhas paixões e me fez relembrar o porquê, mesmo em meio a tantas dificuldades, eu não desisto e resisto e sigo caminhando nesse caminho que é a educação.

Mas, apesar de tudo, o que eu mais gostaria de te contar é sobre o que fizemos numa Escola Comunitária de uma cidadezinha do interior do Estado do Rio de Janeiro no Brasil em Paraty. A partir do seu livro “Ensinando a Transgredir: a educação como prática da liberdade” conseguimos construir uma comunidade de aprendizagem em nossa escola que rompeu fronteiras, ofícios e distâncias. 

Quando iniciei os encontros pelo zoom, esperava que os/as professores/as da minha escola participassem assiduamente, mesmo que a participação no grupo fosse opcional. Como professora e, atualmente na função de coordenadora pedagógica, seria a realização de um sonho atuar em uma escola que oferecesse semanalmente um espaço para estudos como se faz nos grupos de pesquisas das Universidades. Pensava que assim como eu, todos, ou, pelo menos a maioria aproveitaria essa oportunidade com muita gana. No entanto, minha expectativa foi frustrada quando depois de algumas semanas, vi a presença de pouquíssimos professores/as da escola. Várias dificuldades apareceram para justificar a não participação. 

No entanto, como os estudos eram abertos para quem quisesse participar, o grupo foi sendo composto não só pela equipe pedagógica, mas, pela própria comunidade, contadto com a presença e participação assídua dos/as colaboradores de diversos setores da escola e amigos/as que viam a chamada para o grupo de estudos e acessava o link para participar. Não me recordo de ter ficado tão feliz como uma “frustração”. Seu livro destinado a professores transgredia fronteiras para alcançar educadores: educadora do lar, educadoras do coletivo feminista de Paraty, educador apicultor, educadora-cozinheira, educador-pai-poeta, educadora-professora…

E sabe o que foi mais lindo disso tudo, bell? Democratizar esse lugar e deixá-lo ser feito por quem tivesse vontade. Algo que geralmente é exclusivo à apenas quem ingressa nos grupos de pesquisas acadêmicos, passou a ser público, livre, aberto, gratuito para quem quisesse aceitar o convite de estudar junto. 

A cada semana entravam pessoas diferentes, mas, seguimos mesmo em um grupo de 7 pessoas estudando a partir do seu livro em diálogo com outras leituras, músicas e filmes de setembro a dezembro de 2021.

Tivemos nesse grupo professores/as, cozinheiras, administradora financeira, diretora escolar, coordenadora pedagógica, pais e mães de alunos/as, apoiador do nosso projeto, amigas professoras e pesquisadoras de outros Estados do Brasil… todas elas interessadas em pensar com bell hooks e Paulo Freire nas quintas-feiras das 17h às 19h.  

Aqui, todos os nossos rótulos, títulos e currículo se dissolveram e nos tornamos todos estudantes e educadores ao mesmo tempo.  

Um grupo simples, bell. Unidos apenas por uma causa: o amor pela educação e a vontade de aprendermos uns com os outros. Tem coisa mais bonita que isso?! 

Trouxemos para nossos encontros o que se faz na Universidade, só que de uma maneira ainda mais bonita porque foi mais sensível, mais humana, se importando com a voz individual de cada um/a.

Eu queria tanto que você viesse aqui em nosso grupo de estudos conversar com a gente. Nós somos muito simples, mas, nós somos muito poderosos juntos, pois sempre que nos reunimos para pensar, tentamos fazer um exercício de se esvaziar de nós mesmos/as para nos enchermos da infância das crianças, pois, como você mesma disse: são elas as verdadeiras teóricas.

Sabe, bell, você não tem ideia do quanto nossos encontros com você e Paulo trouxeram potência de vida para nós. E foi isso também que mais me tocou e me fez vir todas as quintas-feiras aqui, porque eu ouvia dos/as meus/minhas companheiros/as frases como: “o grupo de estudos é a melhor parte do meu dia”, “eu saio do grupo de estudos com vontade de viver”, “os encontros de quinta tem sido um presente para mim”, dentre muitas outras.

bell, começo a pensar agora que talvez eu tenha muita dificuldade para estudar sozinha, mas, quando me reúno com esse grupo, ah bell!, eu só quero estudar, estudar, estudar.

Não sei se meus/minhas amigos/as pensam como eu, mas acho que o que a gente gosta mesmo é de estar juntos. E é disso que a gente precisa, ainda mais nesses tempos difíceis. A gente precisa se aproximar. Estar junto.  Estar perto.  Estar unidos por uma luta e paixão comum, assim como você fez com seus amigos Ron e Ken. 

bell, vou parar por aqui, senão essa carta se parecerá muito mais com um testamento do que com um testemunho (risos). 

Muito obrigada porque o seu livro me inspirou a iniciar e mediar nossos encontros. Suas palavras trouxeram acalanto e força para todos nós semanalmente. Hoje, encerramos nosso semestre escrevendo cartas à você, a Paulo Freire e àquelas/es educadores/as que nos inspiram. 

Gratidão por afetar tanto a minha vida, a minha alma e por me inspirar a ser um ser humano melhor, a ser uma mulher, uma professora, uma educadora transgressora que não vê sentido na vida e na educação se não for tocar a vida das pessoas. 

Com amor, 

carolina fonseca de oliveira.

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