Quando eu cheguei na comunidade do Colo da Montanha, eu não fazia ideia do real sentido da palavra pertencimento. É curioso olhar para trás e me dar conta de tantos aprendizados que eu obtive a partir da minha escolha de fazer parte deste coletivo.
Hoje, sempre que me pego refletindo sobre a minha jornada, ou quando observo a caminhada de uma nova família que chega ao Colo, observo que pertencimento é um processo, uma construção, que começa dentro de nós, mas que precisa do outro para de fato acontecer.
Fazer parte, me sentir parte e ser parte são coisas diferentes. São etapas que fluem em conexão com a nossa própria história. Somos iguais nas nossas diferenças. Assim, cada ser vai experienciando a sensação de pertencimento à sua maneira.
Costumo brincar dizendo que eu caí de paraquedas no Colo da Montanha, mas a verdade é que nada vem do nada. De alguma forma, vamos trilhando um caminho, ainda que sem perceber, que nos leva ao lugar que precisamos chegar. Estamos fazendo escolhas a todo tempo, e as nossas escolhas vão abrindo portas desconhecidas que nos levam a lugares e situações que precisamos experimentar para caminhar nessa jornada meio doida que é viver nesse mundão.
Em 2017, eu escolhi seguir um chamado para participar, sem compromisso, de uma roda que falava em criar nossos filhos juntos, em resgatar a nossa memória humana de viver em comunidade. Tudo era uma grande novidade pra mim. Até aquele momento, eu nunca tinha ouvido falar dos temas que estavam sendo abordados naquele encontro, mas, em algum lugar dentro de mim, mesmo que eu não conseguisse explicar, aquilo fazia sentido. Eu era uma mulher exausta, mãe de uma bebê de 2 anos, que trabalhava 12 horas por dia, que dirigia 90 km para chegar ao trabalho, mas que, ainda assim, olha só que maluco, achava que tinha “vencido na vida”…
Juro que quando aceitei o convite para participar do Colo Bebê, eu pensei: “Que delicia! 2 horas para dormir um pouco enquanto a Lara, minha filha, vai brincar na natureza”. Eu confesso que levei um susto quando me falaram que eu teria de estar presente em todos os encontros, eu e a minha filha, juntas, e que o foco do aprendizado era o adulto, o cuidador, e não a criança.
Mesmo me sentindo um patinho fora d’agua, eu escolhi ir, escolhi fazer parte, e essa escolha mudou a minha vida.
Ali, naquela roda, eu conheci duas mulheres que fizeram toda a diferença no ser humano que eu sou hoje: a Mari Rosa e a Paulinha Prieto. Elas me acolheram de um jeito amoroso, elas foram as primeiras pessoas que me falaram sobre não me comparar, não criar expectativas, ser impecável com as minhas palavras, sobre me observar, me acolher, reconhecer e honrar a ideia que fiz o meu melhor possível. Uau! O melhor possível, e não o máximo possível… Saber dizer ‘não’ para conseguir dizer ‘sim’ com qualidade, e o mais importante dos ensinamentos: praticar, praticar, praticar.
Sem perceber, eu comecei a me sentir parte daquilo. Reconheci minhas potencias, compartilhei com o grupo as minhas habilidades, as minhas paixões, escancarei minhas inseguranças, pedi ajuda, celebrei e chorei com essas pessoas. Fui aos poucos entendendo que eu sou uma peça importante do todo. Resgatar a nossa memória humana é relembrar que somos natureza. Assim como um quebra-cabeça, somos pedaços únicos, ainda que pequeninos, que fazem a diferença.
Quando nos reconhecemos partes e nos conectamos com o entorno, com as pessoas que estão em volta, quando damos as mãos, vamos formando algo que é maior do que nós.
Quando as peças do quebra-cabeça estão juntas, unidas, uma imagem surge, algo único, algo maior. Quando conseguimos enxergar o todo, e o todo nos enxerga também, nos tornamos parte. Somos todos um, né? Sinto que é sobre isso.
A minha experiência com o Colo da Montanha ressignificou a forma como eu existo hoje no planeta, a forma como eu me alimento, a forma como eu abraço as pessoas que cruzam o meu caminho, acolhendo suas histórias e suas jornadas únicas. Ainda que um dia eu não esteja mais circulando neste território, ele estará em mim. Eu sou parte do todo. Os valores e ensinamentos que agora estão em mim irão comigo para onde quer que vá.
E, para finalizar, estava aqui pensando sobre o Colo fazer parte da Rede Saúva.
Outro quebra-cabeça que se forma, um dentro do outro. Aquela ideia do fractal, sabe? A definição fala de um objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhante ao objeto original. Uau novamente! Lindo isso! Somos eu, você, o Colo, todos projetos da rede Saúva, a Saúva em si. Somos um só. Iguais nas nossas diferenças.