Matéria publicada em 17 de abril de 2025.
Em um mundo onde o lixo orgânico representa grande parte dos resíduos urbanos, a Compostagem Terra Orgânica, em Florianópolis, está provando que a solução pode vir de baixo para cima — literalmente. O projeto de compostagem comunitária, que começou de forma experimental em 2020, evoluiu para uma rede estruturada de capacitação coletiva, unindo desde escolas até uma retomada indígena. Com encontros abertos, moedas sociais e um guia prático, a iniciativa não só reduz o desperdício, mas fortalece territórios marginalizados. Uma ideia simples — transformar resíduos orgânicos em adubo — está virando ferramenta de educação, soberania alimentar e resistência cultural na Ilha e em outros territórios.

O projeto de capacitação coletiva em compostagem comunitária está ganhando novos contornos este ano, com a manutenção das iniciativas que participaram em 2024 e a abertura para novos parceiros. Com um modelo mais aberto e inclusivo, a iniciativa agora atende desde iniciativas da Rede Saúva até a única retomada indígena da capital catarinense, passando por hortas urbanas em áreas marginalizadas. No ano passado, o projeto piloto seguiu um formato tradicional, selecionando os participantes que mais precisavam do fomento para a prática da compostagem. No entanto, as primeiras dificuldades surgiram durante a implementação, exigindo ajustes no modelo inicial à realidade de cada projeto. “Foi um processo de aprendizado. O que parecia simples no papel precisou ser adaptado na prática”, explica o gestor Edson Prado.
Expansão em 2025
Em 2025, a estratégia mudou. Agora, os encontros são abertos usuários da Rede Muda e membros da Rede Saúva, com o objetivo de ampliar o acesso à informação e fortalecer a rede de aprendizado em compostagem comunitária. Apesar da abertura, o projeto mantém o fomento financeiro em três iniciativas prioritárias, selecionadas por seu potencial de expansão, impacto social e ambiental. Que são:
Projeto CEM – Centro de Integração na Serra da Misericórdia (RJ) – Coordenado por Ana Santos e desenvolvido em parceria com a Rede Saúva, o projeto vai começar a compostagem de resíduos orgânicos, podas e folhas secas – antes um risco de incêndio – em adubo para hortas comunitárias. A ação já envolveu crianças em atividades práticas no final de 2024, no Celebra Muda. O terreno, que já produz parte dos alimentos consumidos por famílias locais, poderá aumentar sua produtividade após a implementação da compostagem. A iniciativa serve agora como modelo para outras comunidades, mostrando como a gestão comunitária de resíduos pode gerar benefícios ambientais e alimentares.


Ponto de Cultura e Casa de Passagem Goj Ta Sá – Única retomada indígena de Florianópolis, o espaço usa a compostagem como ferramenta de resistência cultural. Território dos povos originários, que viviam como outras comunidades ancestrais, os indígenas na Ilha de Florianópolis sofrem um processo de “apagamento histórico cultural”, conta Edson. “A Casa de Passagem Goj Ta Sá (antigo Terminal Rodoviário) tem uma resistência muito grande. O povo indígena daqui é tratado como marginal, como morador de rua, como vendedor de artesanato… O indígena daqui tem uma imagem muito deturpada”, reclama. Toda quinta-feira, mutirões com participação de universitários ajudam a gerenciar os resíduos orgânicos além de trabalhar o reconhecimento dos direitos dos indígenas ao território. O método de compostagem termofílica (processo biológico que decompõe resíduos orgânicos em altas temperaturas, com o auxílio de microrganismos termofílicos) foi adaptado para conectar o conhecimento ancestral e técnicas modernas. O composto processado nutre a horta medicinal da comunidade, que produz plantas e alimentos orgânicos.


Horta Comunitária do Parque Itajaí – O que começou como uma simples horta, cultivada por um aposentado em terreno público, se transformou em um caso emblemático de agricultura urbana. João Novais, iniciou sozinho o cultivo em uma área próxima a nascentes do Rio Capivari. Hoje, com o apoio do Compostagem Terra Orgânica, a horta alimenta as famílias do bairro e tornou-se centro de um movimento pela regularização fundiária.
“O processo de compostagem é uma coisa simples, mas se houver um pequeno erro pode voltar a questão do tabu do lixo, porque fede”, conta Lucas Morales, do Terra Orgânica. O projeto do Parque Itajaí processa cerca de 150kg de resíduos semanais, incluindo doações de pequenos comerciantes locais. Apesar dos conflitos com a prefeitura – que contesta o uso do terreno – a iniciativa ganhou reconhecimento do INCRA como modelo de assentamento urbano sustentável.



Impacto Integrado
As três iniciativas, embora distintas, compartilham um mesmo DNA: transformam desafios locais em oportunidades comunitárias. Juntas, elas desviam toneladas de resíduos orgânicos mensais dos aterros sanitários, enquanto fortalecem a soberania alimentar, a preservação cultural e a organização comunitária. “São projetos que mostram como a sustentabilidade precisa ser pensada a partir das realidades locais”, reflete Edson Prado. “Não existe uma fórmula única – cada território escreve sua própria história de transformação.”
Os dados de monitoramento mostram que, além dos benefícios ambientais, as iniciativas geraram um aumento no engajamento comunitário em suas respectivas áreas, comprovando que a gestão coletiva de resíduos pode ser um poderoso catalisador de transformação social.
“A Escola Waldorf Quintal Mágico, em Paraty, tinha que comprar adubo para uma disciplina do 3° ano. Agora não compram mais, eles produzem o seu próprio adubo.”
Lucas Morales – Compostagem Terra Orgânica
Próximos Passos
Para ampliar o alcance, será lançado em abril um Guia de Compostagem Comunitária, com instruções práticas desde o cadastro na plataforma e o resgate de Mudas até a montagem de leiras termofílicas. Os encontros mensais continuam abertos a todos os interessados, com datas divulgadas no grupo de whatsapp do Coreto e da Rede Muda.
Enquanto Florianópolis produz cerca de 600 toneladas de lixo diariamente (segundo o IPUF), projetos como este mostram que é possível transformar parte desses resíduos em soluções comunitárias, unindo sustentabilidade, educação e inclusão social.
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