Eis que mais um ano do calendário gregoriano anuncia sua metamorfose: a cifra 2024 vai se (des)dobrar em 2025. Essa nova idade, pós-história do nascimento do menino Jesus, costuma motivar a realização dos rituais de avaliações retrospectivas e promessas prospectivas, que fazem estalar brindes e borbulhar os comportamentos.
Neste momento, peço aqui licença para contar sobre o povo all-gazarra, uma comunidade temporária que persiste em atravessar os calendários. Não formam um grupo identitário, mas se reconhecem no interesse pela diferença incansável. Devotos do deus mu-dança, trabalham com fé na alegria de viver, e são perseguidos pela vaidade da hegemonia, sempre muito cheia de si e que já não enxerga bem.
Quem se reconhece no caminho do deus mu-dança, toma parte no contato-improvisação da vida, para fazer vibrar toda força que ousar se renovar. Praticam a arte marcial da alquimia dos sentidos, um conhecimento beta-milenar de transtornar tradições. São grandes tecelões e sopradores de bons ventos. Se dedicam intensamente ao prazer de fertilizar os solos, os colos, as costas, as testas e tetas, todo o corpo do céu quando nasce da terra, formando o horizonte. Sim, são especialistas na fertilização de horizontes.
Os all-gazarra também são capazes de se multiplicar em alguns habitats, sobretudo aqueles favoráveis ao festejo dos afetos. São muito sensíveis a qualquer sinal de alegria, particularmente as que derivam de uma transtornação.
Então, quando o horizonte anuncia a mudança do dígito, os all-gazarra se espalham para fazer gingar a virada e, num golpe de calendário, criar alguma miração. Treinados no feitiço da composição ambulante, são hábeis em produção de miração, um movimento que abre a visão dos poros, transtornando o enfeitiçado num curioso, que é um pássaro com cara de tatu, frequentemente visto dançando com formigas, abelhas e cigarras.
Por isso, se encontrarem algum pássaro com cara de tatu nos próximos dias, não se assustem. São seres encantadores. Podem se aproximar.