Matéria publicada em 27 de junho de 2024.
O Brasil descarta cerca de 4 toneladas de resíduos têxteis por ano, segundo relatório da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Ainda que assustadora, a crise é reversível, graças ao crescimento do consumo em brechós no Brasil e o surgimento de iniciativas upcycling, como é o caso do Remexe. A marca é uma cooperativa de moda sustentável que surgiu em julho de 2017 no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, e desde 2022 compõe a Rede Saúva Jataí.
Inspirada nas diversas manifestações artística-culturais da comunidade e na rotina dinâmica da favela, a marca usa a metodologia upcycling (dar um novo e melhor propósito para um material que seria descartado) através da qual as estilistas e costureiras, todas moradoras da comunidade, produzem roupas novas a partir do reaproveitamento e ressignificação de peças usadas e resíduos têxteis. Assim, o Remexe desafia os conceitos de gênero da moda, promove a sustentabilidade e a diversidade cultural e provoca uma reflexão sobre os hábitos de consumo e os impactos da indústria da moda.


A Associação Saúva chegou para manter e impulsionar um novo projeto: a produção e distribuição de absorventes reutilizáveis. Durante sua vida fértil, pessoas que menstruam utilizam de 10 a 15 mil absorventes, o que produz cerca de 5 quilos de lixo por ano. O problema começa desde a extração das matérias-primas: os absorventes descartáveis são compostos principalmente por celulose e plástico, sendo necessária a exploração do petróleo e o desmatamento de árvores para sua fabricação. No Brasil, os absorventes não são reciclados e não têm um destino correto para o descarte, o que faz com que se acumulem nos lixões e aterros sanitários. Em contato direto com o meio ambiente, esses produtos liberam toxinas e levam cerca de 100 anos para se decomporem.
A solução, como em muitos outros casos, é retornar às origens de mãos dadas com as novas invenções. Assim, ressurgem os absorventes de pano, produzidos com um tecido tecnológico e anti-odor, que impedem individualmente, em média, o descarte de 300 unidades de absorventes descartáveis. Cada um é feito cuidadosamente à mão pelas costureiras do Remexe, que além de confeccionar, também realizam ações na comunidade para distribuir e informar acerca da importância e modos de uso.
Nos últimos anos, a iniciativa trabalhou em conjunto com o Centro de Saúde do Aglomerado da Serra, assim como a Associação de Moradores da Vila Santana do Cafezal, onde realizam rodas de conversas trocando informações sobre a confecção e dados globais acerca do descarte. Atualmente, estão se conectando com outros espaços culturais, como a Casa das Mães Gentis, um espaço cultural em Raposos que foi contemplado no mês de Maio. Em todas as ações, cada participante recebe dois absorventes, o que nem sempre é suficiente. Respondendo ao chamado da comunidade, trouxeram como solução disponibilizar uma cestinha com algumas unidades em frente ao espaço físico do Remexe, assim, quem passar pode pegar um, juntamente a um folheto informativo.



A equipe também está buscando entender o público-alvo, como conta Ester Teixeira, gestora do coletivo: “Tivemos um retorno recente muito positivo sobre o uso dos absorventes como possibilidade também para mulheres mais velhas que têm incontinência urinária”. A partir disso, passaram a contemplar também as oficinas semanais do Centro Cultural Lá da Favelinha, do qual o Remexe é um dos braços. O Ponto Chic é um dos novos focos, oficina que promove o encontro com mães e avós de alunos para fazer tricô, crochê e bordado, e claro, todo o bate-papo que vem junto desses momentos de comunhão. Além de trazer as ideias acerca dos absorventes para essas mulheres, o Remexe também as auxilia quando necessitam de alguma solução relacionada à costura.
Ester conta que tem sido um bom momento para o time, estão se organizando, aprendendo umas com as outras, ganhando autonomia e habilidade na máquina. Para otimizar o espaço, pretendem utilizar todo o material que tem acumulado por lá antes de receber grandes doações novamente, partindo da lógica de reaproveitamento e não desperdício: pensar no que já tem antes de pegar coisas novas. Aponta sobre o estado das doações, e a importância de uma seleção minuciosa: “Já chegou a vez da Carlinha abrir saco de doação e tinha lixo no meio, sabe? Então se a gente abre para receber tudo de todo mundo, a gente não tem controle do que recebe.”. Carla Reis, principal costureira da equipe, completa: “Já recebemos com bebida dentro, copo descartável, comida, até roupa de criança do jeito que tirou, com xixi mesmo!”
Além dos absorventes, o Remexe também atua na produção de figurinos para o grupo de dança do Lá da Favelinha. Recentemente confeccionaram uma coleção com nove figurinos feitos a partir de retalhos de jeans para a apresentação do Favelinha Dance na Virada Cultural de São Paulo, além de cinco figurinos para um desfile realizado em prol de um programa de entrevistas do Gustavo Ziller, que vai ao ar no próximo semestre na GloboPlay. No mês de Maio, o grande foco foi a ação da Boca Rosa Academy, um curso para empreendedoras periféricas que ocorreu em conjunto ao Lá da Favelinha, onde realizaram uma conversa com as participantes, assim como a distribuição de 60 kits de absorventes.



Em Junho, inevitavelmente, as energias estão voltadas para a Festa Junina da Favelinha. O time realizou uma imersão na pesquisa, no garimpo e na confecção dos figurinos temáticos, que roubam a cena na festa de rua que já virou cultura na região. A farra acontecerá no próximo final de semana, dia 29 de junho, a partir de 18h, na Rua Dr. Argemiro Rezende Costa, 191, São Lucas, BH, em frente ao Centro Cultural. As atrações confirmadas vão de Swing Safado, Batuque pelo Morro, até DJs de forró, brincadeiras e comidas típicas, que não podem faltar. As roupas do Remexe vestem os dançarinos da Formação de Quadrilha, que dão um show de estilo e contemporaneidade no evento.

27 de junho de 2024
A redação desta matéria contou com a colaboração da estudante de jornalismo Luana Abreu