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Investimentos saudáveis (IS) investe 19 milhões na agricultura familiar e já colhe seus primeiros resultados

PARTE 1

São 4h da manhã. Seu João acorda bem cedo, pois sabe que o dia será longo na roça. Toma seu café preto com macaxeira cozida e desce pra lavoura.

Seu João, morador rural de Itapecuru Mirim (MA), está hoje muito preocupado. Sua safra de mandioca está pronta pra ser vendida, mas pra quem? Como? Seu João está isolado. O coração está apreensivo, pois ele precisa sustentar a família, precisa também adquirir os insumos da próxima safra. E manter vivo o sonho por algo mais.

Seu João cuidou tão bem da terra, não usou agrotóxicos, preservou cada canteiro, tomou conta das águas, dos bichos e das matas. Mas hoje seu peito é só aflição.

Algo então acontece. Às 10h em ponto, alguém chega à sua porteira: é um tal Carlos Roberto, dono de um mercado grande da cidade. Diz que vem comprar sua safra. Seu João se anima, vê ali uma esperança:

– Quanto é?

Seu João sabe que precisa de 10 mil para manter tudo sob controle e logo anuncia esse preço.

– Pago 7 mil.

Uma fincada atinge a alma de Seu João. Sente-se menosprezado, oprimido, ultrajado. Sente-se pequeno. O homem o encara. Seu João reflete. Sabe que não tem saídas. Com a lágrima despistada que desce, fecha o acordo.

O homem leva embora suas carnudas e vistosas mandiocas. Lá em seu mercado, a 70 km dali, revende toda a sua safra por bem mais que 10 mil.

PARTE 2

Um tempo passou. Seu João, no aperto, vai sobrevivendo do jeito que dá. Provê sua família com o mínimo, enrola-se para aprontar a próxima safra. E quanto ao sonho de algo mais? Bem, ainda não chegou a hora.

São 4h da manhã. Seu João acorda bem cedo, mas está triste. Às 10h em ponto, aquele Carlos Roberto voltaria, oferecendo os mesmos parcos valores. “Mas não tenho alternativas”, foi o que ele pensou, quase se consolando.

Ali, abatido na lavoura, roçando a terra, escuta o bater de palmas lá fora. “Ora, ainda são 9h”, ele estranha. Não era o tal Carlos Roberto, mas outra pessoa, alguém que, até pelo jeito, se parecia com ele próprio, e atendia pelo nome de Milton.

– Dia!

A voz do visitante estava acalorada. Trocam cortesias e anuncia:
– Sou da Coopevi, uma cooperativa da região e vim te oferecer uma parceria.

Seu João fica desconfiado, mas escuta atento à proposta:
– Primeiro, gostaríamos de comprar a sua safra. Qual é o preço?
– Olha, o valor bom pra mim é 10 mil, mas podemos combinar.

Com essa última frase, o ‘podemos combinar’, Seu João fecharia qualquer valor acima de 2 mil.
– Está bem. Negócio fechado. Pago os 10 mil.

Seu João se assusta e mal pode compreender o que está acontecendo.
– Mas não é apenas isso, Seu João. Queremos comprar também a sua próxima safra.
– Mas como? Isso não faz sentido. Eu nem comecei a cultivá-la, ainda nem tenho os insumos pra ela. Você está me dizendo que vai voltar depois para comprá-la?
– Não, Seu João, vou comprá-la agora, adiantado. Depois só volto pra buscar os produtos.

Definitivamente, Seu João não acredita no que escuta. Pergunta ao homem se não são trapaças ou brincadeiras. Com muita calma, Seu Milton diz:
– Não há trapaça, Seu João. Nossa cooperativa agora está mais organizada, porque também fizemos boas parcerias. Finalmente, podemos vender os produtos de nossos cooperados, como os do Sr., por preços melhores na cidade. Assim, os valores que conseguimos lá permitem comprar seus produtos de forma justa. Nosso lucro é usado para antecipar a aquisição da sua próxima safra, para nos remunerar, e ainda para apoiar outros produtores. Dessa forma, a cooperativa se estrutura melhor e garante que o Sr., Seu João, possa trabalhar com maior segurança e tranquilidade.

Com a lágrima nada comedida que desce, Seu João abraça o Seu Milton e descobre que, agora, chegou a hora do algo mais…

MATÉRIA

Seu João é um personagem fictício, mas a história narrada é parte de uma realidade de 4900 famílias de produtores rurais brasileiros.

A Investimos Saudáveis (IS), empresa formada pela rede Jataí em parceria com a Raízes do Campo, investe em 14 cooperativas agroecológicas de 8 estados brasileiros. Mais especificamente nas seguintes cidades:

Ponta Porã – MS
Chorozinho – CE
São Mateus – ES
Pontão – RS
Loanda-PR
Candiota – RS
Arapongas – PR
Hulha Negra- RS
Nova Santa Rita – RS
Fraiburgo – SC
Cotiporã – RS
Itamarati – MS
Campo do Meio – MG
Itapecuru Mirim – MA

O investimento foi criado justamente para fortalecer e proteger os pequenos produtores da agricultura familiar que sofrem com a competição severamente desigual do mercado agrícola brasileiro.

Basicamente, estes pequenos produtores não têm qualquer acesso ao crédito financeiro, muitos nem conta bancária têm, são discriminados pelos bancos, portanto, dependem exclusivamente da venda de sua safra atual para manter sua família e adquirir insumos, ferramentas e reparos para a próxima lavoura. Entretanto, estes mesmos produtores não conseguem vender seus cultivos por preços e condições justas: ora estão em regiões isoladas sem meios de transporte, ora não possuem parcerias comerciais estruturadas para o escoamento de sua safra, de modo geral, estão solitários e por conta própria. Assim, eles permanecem vulneráveis e sem poder de negociação: aceitam irrisórios valores pela simples falta de opção. Sem crédito e com seu produto desvalorizado pelo comprador, lutam pela próxima safra e pelo próximo dia.

As cooperativas locais, que nasceram justamente para intervir nesse processo econômico injusto, embora consigam apoiar os produtores de sua região, sofrem, por outro lado, por limitações muito semelhantes: por falta de estrutura financeira e legal, enfrentam a resistência dos bancos no fornecimento de crédito – justamente aquele recurso fundamental para antecipar as safras dos produtores. Muitas possuem estrutura de trabalho bem limitada – equipe reduzida, falta de acesso a equipamentos e tecnologias úteis – e parte dos assentados ainda nem tem a propriedade da terra dessa forma, não conseguem ampliar seu alcance ou oferecer condições ainda melhores para seus cooperados.

É precisamente nesse cenário que a Investimentos Saudáveis (IS) está atuando. O modelo de operação foi construído diretamente com as próprias cooperativas agrícolas, em incontáveis reuniões, e tem por objetivo fornecer o exato crédito financeiro necessário para mudar o jogo da agricultura familiar nos territórios atuados.

Mas qual é a inovação? Se trata apenas de fornecer crédito? É bem mais!

A operação foi estruturada de forma a fechar o desejado ciclo espiral, isto é, colocar em prática o modelo de uma economia circular que amplia e progride com o tempo (este conceito é a razão de ser da rede Jataí).

Dessa forma, os agricultores, além de participarem das cooperativas, também compõem a Raízes do Campo, a comercializadora e parceira majoritária da Investimentos Saudáveis (IS). Assim, além dos benefícios diretos da aplicação do crédito, o resultado financeiro eventual da operação de intermediação volta para os produtores rurais.

O capital aportado na IS, dessa forma, possibilita os investimentos de estruturação das cooperativas e, consequentemente, mais retorno de longo prazo aos próprios produtores rurais. Capitalizados e orientados, estes podem garantir e aprimorar a própria produção. O ciclo se fecha, porém, agora mais valorizado – amplia-se, cresce. Em espiral.

Essa arquitetura, para funcionar com êxito, baseia-se nos seguintes princípios:

  • O credor financeiro majoritário, no caso a rede Jataí, deve ser o sócio minoritário da parceria, pois o eventual lucro da operação deve pertencer às cooperativas e seus cooperados;
  • As taxas de juros devem ser baixas, pois isso viabiliza a gradativa estruturação de toda a cadeia de valores e, assim, fornece rendimentos sempre crescentes para todos no longo prazo;
  • A sustentabilidade local é meta indispensável, isto é, os investimentos são feitos para um dia deixarem de existir (deixarem de ser necessários), para tanto, um plano de ação foi criado por cada cooperativa, e a IS acompanha de perto sua realização, apoiando cada etapa e fornecendo suporte técnico e operacional para cada dificuldade encontrada;
  • Os recursos devem circular dentro do próprio sistema, ou seja, os investimentos e seus lucros precisam fornecer melhores condições de trabalho e de renda para as cooperativas e seus cooperados e, assim, propiciar a adesão de novos produtores locais;
  •  Do ponto de vista ambiental, os investimentos devem ser aplicados em pequenos produtores que não usam agrotóxicos (ou que prezem pela sua redução contínua), e que lancem mão de práticas de cuidado integral do ecossistema (água, solo, fauna e flora).

Os investimentos foram iniciados em novembro de 2020. Em menos de um ano de operação, 19 milhões de reais foram investidos, alcançando 4907 famílias. Os primeiros retornos já estão ocorrendo desde julho de 2021, o que expressa os primeiros marcos de uma cadeia sustentável e economicamente favorável para todo seu círculo.

Em outras palavras, o modelo de operação, de forma tão rápida, já distribui lucros para todos, demonstrando o sucesso da sua arquitetura. Mas, acima de tudo, este resultado já alcançado anima tanto os apoiadores da IS, da Raízes do Campo e das Cooperativas, quanto, e principalmente, os próprios produtores locais, os muitos Seus Joãos e Sinhás Marias, que fazem germinar não somente suas sementes, mas a convicção de que é possível um novo paradigma econômico.

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