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Entrevista: Leandro Almeida, gestor da jataí investimentos

Doutor em Administração pela Escola Superior de Comércio de Rennes – França, Mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; AMP pela INSEAD-França e especialista em educação executiva e gestão de investimentos pela Harvard Business School-EUA. Investidor de empresas inovadoras e com propósito regenerativo. Entusiasta dos investimentos de impacto, amante dos detalhes e desafios que o mundo do vinho proporciona, Leandro Almeida participou da certificação internacional em vinhos WSET nível 3. Ainda, é sócio da Diamondback, empresa de desenvolvimento em cultura e entretenimento, e gestor da Jataí Investimentos. E é sobre investimentos futuros, títulos acadêmicos, mudanças, novas economias e paradigmas que versa a Entrevista de Samir Caetano com Leandro Almeida.

Samir Caetano: Leandro, você tem uma bela bagagem curricular, mas se considera amador, como explica em uma coluna recente aqui para o Portal. Por que amador?

Leandro Almeida: Acho que de vez em quando a gente fica se protegendo ou buscando representatividade a partir das nossas formações acadêmicas ou experiências profissionais. O que eu vejo de mais relevante é a gente fazer as coisas que tenham sentido para a gente. Esse processo de sentido é peculiar, individual, mas é um processo que a gente busca fazer as coisas não por precisar, mas porque você acredita que isso te alimenta. Querer fazer as coisas, amar fazer as coisas. Daí vem o amador. Não que eu goste de me intitular amador: eu gostaria de ser amador em tudo o que faço. 

Se a gente conseguir ser amador naquilo que a gente faz, estamos caminhando para um dia-a-dia de propósito.

Samir Caetano: Hoje, de um lado, vivemos uma fase de mudanças, de um capitalismo imerso na era da informação, com a expansão de criptomoedas, surgimento de NFTs, bancos virtuais, aplicativos de investimento, de gestão financeira e a lista segue. No entanto, a despeito de toda essa inovação tecnológica, a concentração de renda aumenta, a inflação brasileira volta a atingir pesadamente os mais pobres, o planeta começa a esboçar esgotamento de seus recursos. Como podemos ler essa contradição e interpretar a nossa realidade?

Leandro Almeida: Continuo acreditando que isso não é uma dicotomia. O modelo que estamos vivendo induz esse processo de concentração. Então, por mais que a gente comece a criar linguagens distintas, tal como as buzzwords do momento, por exemplo, agora estamos discutindo impacto, ou investimentos sustentáveis, antes era ‘vamos discutir coisas orgânicas’; agora são ‘agroecológicas’ ou até ‘agroflorestais’. Você vai entrando num conceito de temas de fala, que são lindas, mas se você não discute os modelos onde você sustenta essa fala, na verdade, você tá apenas reescrevendo igualzinho, mudando só algumas palavras.

Não vejo dicotomia, porque, por exemplo, alguém pensa em montar uma moeda dentro de uma plataforma para tirar o poder de concentração dos governos. As moedas são tradicionalmente montadas pelo governo e são distribuídas para sua população, mas gerenciadas pelo governo. Daí, você cria outra plataforma, desenvolvida dentro de estrutura descentralizadas, mais seguras, não controladas por instituições ou pelo governo, pois o intuito de uma moeda dessa é ter um mecanismo menos controlador e menos concentrador do uso do capital, porém, você vincula essa moeda a uma moeda tradicional (como o dólar), e permite que essa moeda seja trabalhada em termos de precificação a partir da Lei da Oferta e da Demanda. Pronto! Você criou um bitcoin que concentra. Ah, mas é menos pior do que a outra moeda? Tá, pode ser, mas tá dentro do mesmo modelo de escassez, dessa criação da desigualdade. Existem vários benefícios, mas, no limite, se não forem discutidas no detalhe, são apenas efeitos de linguagem.

Vale essa reflexão: o que eu quero? Quero participar de um mundo concentrador, desigual, escasso, ou quero participar de um mundo distributivo, um pouco menos desigual, e abundante? Esses dois modelos não convivem, esses dois modelos são de bases diferentes.

Samir Caetano Porém, por outro lado, tem surgido, na contramão dessa corrente automática, iniciativas que têm introduzido em suas práticas o que tem sido chamado de economia regenerativa, foco na sustentabilidade, na otimização dos recursos e investimentos empregados. Como essa tendência pode ser (ou já é) uma quebra nesse paradigma tradicional?

Leandro Almeida: Essas teorias cresceram a partir de erros conhecidos nas teorias tradicionais, mas também não são novas. Se a gente for discutir conceitos de economia circular, de conceitos de interação, mais integrativos, mais participativos, compreendendo que o uso dos recursos naturais não é para explorar, mas conviver, esses conceitos já existem há décadas: economia solidária, da dádiva, fraterna, circular. São diversos conceitos que tentam atrair para os modelos econômicos tradicionais os desvios de concentração, desigualdade e escassez que esses modelos contêm. A parte bonita dessa história é que essas práticas estão cada vez mais sendo discutidas e aplicadas. Mas temos que tomar cuidado para que essas iniciativas não sejam dragadas pelo mundo que já existe. Esse conceito de novas economias é espetacular, mas temos de pensar quais são as bases dessa nova economia.

Por exemplo, se eu transformo essas novas economias a partir de grandes fomentos ou doações que partem da economia tradicional, eventualmente estou criando um modelo de dependência igual, um modelo de dependência do bom moço, sem discutir as bases dessa dependência. 

O caminho é revigorante, por vermos essas discussões cada vez mais frequentes, de ver empresas destruidoras do mundo buscando conceitos de sustentabilidade, fazendo atividades de impacto. Isso mostra a tentativa de mudança de rumo, mas, no limite, não vai mudar nada, então, nessa hora é que temos de colocar mais um tempero, e é isso que temos que construir: quais são os pequenos detalhes que permitem que ali essa roda não gire do mesmo jeito que sempre rodou?

Samir Caetano: Você sempre tem falado de um termo novo: economia em espiral, como um modelo que tende a alcançar essas bases que podem desestruturar esse ciclo vicioso. Me fale um pouco disso e também de como a Jataí e a Saúva operam isso.

Leandro Almeida: São temas em desenvolvimento. Como a gente não queria se apropriar das falas e dos modelos existentes, considerando que estamos em processo de teste, de entender como essas reflexões podem ser inseridas no dia-a-dia, a gente cunhou um nome do que a gente tá fazendo dentro desse ciclo espiral.

Se sou uma indústria extrativista, essa extração gera poluição, por exemplo; a poluição gerada pela minha atividade principal, industrial, não é considerada dentro do meu sistema econômico, da minha cadeia. Ela é considerada externalidade aos nossos modelos de análise.  Ao chamar o lixo de externo, por exemplo, vou jogá-lo ‘fora’, mas fora onde? Dentro dos modelos econômicos, as externalidades são premissas. Tudo aquilo que é difícil de medir, tudo aquilo que tá fora das minhas avaliações, eu considero uma externalidade. Qual o problema disso? É que o impacto da externalidade pode ser devastador para os demais. Vai para alguém.

Samir Caetano: Para alguém o externo vai ser interno, né?

Leandro Almeida: Exatamente. Mas como que a gente faz para internalizar as externalidades que estão dentro do nosso ciclo? A gente começa a desenvolver o conceito de ir fechando esses ciclos que estão à nossa volta, dentro da nossa rede. Como esses ciclos estão sempre num crescente, a gente tá evoluindo junto, a gente tá aprendendo. Buscamos a distribuição efetiva, a regeneração efetiva por premissa e não por consequência. Faz toda diferença do mundo eu ser distributivo por premissa, ser regenerativo por premissa. Não é externo. É interno. As premissas ecológicas são também premissas econômicas. E não o inverso. A partir dessas premissas, eu toco o resto. E como eu vou tocando dentro de um crescimento de aprendizagem, de atuação coletiva, como em um espiral, eu nunca volto para o mesmo ponto do círculo. Eu vou para uma dimensão diferente, não é mais linear, mas multidimensional. Um mundo em desenvolvimento em espiral, que obviamente não tem fim, não tem objetivo, nunca vai parar, isto é, se o modelo funcionar, senão a gente acaba, mas, se funcionar, o processo é o caminho, o objetivo é o caminho, e o atingimos caminhando.

Daí aparece a Jataí e a Saúva como iniciativas que fazem parte de uma rede. As pessoas estão chamando essa rede de Saúva Jataí: eu prefiro até que tivesse outro nome, porque essa rede não é da Jataí nem da Saúva, essa rede é da rede. Faz parte dela um monte de gente, de estruturas, de iniciativas, de personalidades físicas e jurídicas, misturas. A gente tá tentando criar e desenvolver círculos em espiral onde as externalidades desses círculos se fechem em si, na própria rede.

A Jataí gere recursos financeiros com esses propósitos como premissas, de regenerar e redistribuir como premissa. Mas não estamos num mundo que é uma página em branco. As regras já existem. Mas para alterar as regras precisamos jogar o jogo. Então, a Jataí vem do mundo real, vem do mundo de investimentos tradicionais, mas vem para tentar reescrever essas regras. Algumas regras são mais difíceis de reescrever, por exemplo, todo esse sistema que não distribui, que concentra, que gera desigualdade, inserem taxas escondidas em empréstimos, etc. Mas o que podemos fazer? Eu entro no sistema, busco as mesmas licenças, as mesmas habilidades que o sistema tem, viro um jogador desse sistema, mas, nessa hora, crio o nosso banco (e estamos tentando criar um banco para essas comunidades) que seja redistributivo.

A Saúva também busca reescrever esse conceito da dependência do capital. Por exemplo: existem projetos que não se explicam pelos retornos econômicos. Elas se explicam por devolução para a sociedade por um processo de desenvolvimento, de crescimento, de entretenimento, de educação, etc. Nesse desenho, os modelos tradicionais são chamados de ‘sem fins lucrativos’, que são projetos que dependem do dinheiro de alguém. O projeto é feito, entregue para a sociedade, mas tem que correr atrás de dinheiro e fica dependente de novo. Como faço para não transformar esse conceito de filantropia, de doações, num conceito de dependência econômica? A Saúva vem para isso: uma instituição sem fins lucrativos não é uma instituição com fins prejuritivos (que gera prejuízos).  Seria interessante que as contas fechassem dentro dela. Como a gente faz para ter essas discussões redistributivas dentro de instituições sem fins lucrativos? A Saúva pode ajudar a pensar em formas para você não colocar, nesse caso, o dinheiro como uma externalidade. O capital tem de ser uma internalidade, tem que estar dentro do modelo. 

Samir Caetano: Conta para nós um pouquinho como o Leandro Almeida chegou nessa história. O que te atravessou para que você carregue todo esse sentido inspirado?

Leandro Almeida: Tentar buscar os sentidos para coisas que não faziam sentido. Independente das minhas origens econômicas, que foi mais na carência do que na sobra, a gente vai se esbarrando por experiências de vida que a conta não fecha: a conta social, a conta emocional… A convivência não faz sentido nesse lugar. E tenho a grata surpresa de esbarrar nesse mundão com um monte de gente que tem anseios parecidos. Gente que pensa: como é que reescreve? E muita gente com humildade para dizer que também não sabe como reescrever. Essas pessoas entram na rede para discutir formas de reescrever as premissas e rediscutir o micro. A gente foca no micro. A gente foca naquilo que a gente consegue atuar de forma objetiva. Mas não apenas discute. A gente implementa. Essas ações que estão acontecendo, buscando regenerar, buscando distribuir, para criar um mundo de menor desigualdade e abundância, isso a rede tá mexendo. Tenho satisfação de fazer parte dessa forma de brincar diferente, mas com as ferramentas do mundo concentrador. Agora a gente pode brincar de fazer um banco, mas não vamos fazer um banco à margem da sociedade, que não pode abrir conta. A gente vai abrir um banco com as mesmas regras, só que ele tem implementações diferentes nos detalhes, por exemplo, as taxas de banco estão distribuídas para a própria comunidade, a alocação do capital é transparente, e quem investe o dinheiro sabe para onde o dinheiro está indo. O banco é do produtor, o banco não é do dono do banco. Essas loucuras parecem loucuras, mas são extremamente possíveis, porque já temos resultados dentro da rede. É isso que a gente tem a coragem de discutir. E aí você põe a cabeça no travesseiro e dorme um pouquinho mais e pensa: ‘tá aí, esse caminho é legal de brincar’. A gente gosta de brincar nesse caminho, espiralando dentro do mundão que já existe.

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